sábado, 12 de setembro de 2015

Vindimar




O tempo, como se fosse estrada fora muito confiado, viajou no Douro das vinhas, anos e anos, supondo que a saúde, a heroicidade, a confiança na luta, entre o povo, não tivessem fim. Enganou-se … Ao cair de uma folhinha, no seu calendário, reconheceu que o Douro das vinhas tinha esmorecido. Perguntou a si próprio, como quem diz ao vidro e à areia do seu relógio: se a vindima cantou ano passado, porque não canta este ano? A vindima era uma festa. Hoje, é um enterro.Assim falou o tempo, surpreendido de ver o Douro mudado, principalmente em dias de vindima. Assim perguntam a assim respondem pessoas que o conheceram alegre e hoje o vêem triste. 
Calou-se, de quebrada em quebrada, a voz da vindimadeira, que deitava a sua cantiga, desde séculos, no ritmo da chula. A este ritmo adaptava a quadra que lhe nascesse no peito ou lhe fervilhasse na concha do ouvido. Era a chula, que merecia outro nome, porque não era chula no mau sentido do termo. Era bem clara, bem nítida e bem nobre, tanto na expressão como no torneio. Chula rabela, própria do barco rabelo, chegou ao Porto como as águas do rio ou subiu do Porto a Cima-Douro no regresso do barco. Sabe-se lá! 
No Douro é que emudeceu de todo, nas vindimas que agora correm, a velha chula rabela. Mas, vá lá, que morreu moça. Calou-se de repente como a gaita de beiços, o harmónio e os ferrinhos, o bombo e o apito, que competiam ao homem que pisava a uva no lagar ou a trazia da vinha em grandes cestos. Dançava debaixo deles, tocando o bombo ou os ferrinhos, se é que não apitava, com o assobio de pau, no sentido de marcar o passo aos companheiros. Fiu, fiu… Fiu, fi, fi fiu… 
Tudo isto se calou de um ano para o outro. 

18 Outubro 1969
João de Araújo Correia in Pó Levantado

1 comentário:

  1. Bonito este ...momento de Leitura .
    Tudo ..é ,,Especial"aqui ..

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