terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Rincão duriense

Foto: josé alfredo almeida



"Mal me formei, em vez de ficar pela cidade à espera de bom emprego ou noiva rica, meti-me na aldeia, em casa de meus pais, lavradores de trinta pipas de vinho de consumo. Pobres pais! Não imaginam quanto lhes doeu a minha resolução Quase  deixaram de me falar e até me viraram o rosto quando, de manhãzinha, humilde como a terra, lhes pedia a bênção. É que viram na minha formatura a sorte grande e eu, afinal, caia-lhes no lar como um trambolho. Deixá-lo cair...Eu estava farto de convívio escolar e temia o mundo mercantil - assim como a sociedade boa, cheia de preconceitos e normas esquisitas. Preferi a rudeza da aldeia à delicadeza da cidade. Fiz-me aldeão. Meti-me no buraco onde nasci como quem pratica a proeza da felicidade. Optei pela solidão, menosprezando o mundo. Observei o pular das abóbadas na minha horta; acompanhei de vindima a vindima os passos tardos e os passos apressados ou gloriosos da vide até ao vinho. Corri atrás de enxames. Crestei colmeias. Plantei árvores. Cultivei flores. Coleccionei borboletas. Embalsamei bichos do monte. Fiz-me panteísta pelo coração; tornei-me naturalista pela inteligência."

João de Araújo Correia in "Contos Bárbaros" 

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