terça-feira, 23 de setembro de 2014

Lugares da memória





A memória é um sítio estranho,habitado pelo sentir de cada um de nós.
Fui pela primeira vez à Biblioteca dos Bombeiros de Peso da Régua, com a minha primeira amiga de infância, a Filomena Tiago. Uma amizade forte e cúmplice como só as crianças sabem ter.
Esperava-nos uma sala que na altura me pareceu grande e solene.
À cabeceira de uma mesa, estava um senhor que nos olhou por cima dos óculos, e depois de nos ter explicado as condições para levar os livros para casa, deu-nos um cartão (penso que preenchemos uma ficha de inscrição, não estou certa disso).
Acompanhou-nos às estantes que separavam vários tipos de livros. Infantis, clássicos...
Já conhecia alguns daqueles livros, na minha casa o hábito da leitura era algo normal.
Mas era diferente. Ali era o mundo dos livros.
Demorámos a escolher, folheámos lemos um pouco... No meu caso tentava sentir o cheiro deles, coisa que ainda hoje faço com os livros comprados seja em primeira ou segunda mão.
Saímos de olhos a brilhar, e mundos nos braços para descobrir.
Sentada nos degraus das escadas de pedra da minha casa, com o Douro como cenário ao fundo, 
além do pequeno Polegar que eu tanto gostava de ler, reli nalguns casos, outros li pela primeira vez,
Júlio Dinis, Eça, Camilo, Garrett, Aquilino...
Todas as semanas, ia devolver os livros e escolher outros para ler, 
O Senhor Marinheira perguntava, invariavelmente: (agora já sabia o nome daquele homem grande, com um ar distinto e olhar bondoso)
- Então já leste os livros todos?
Eu respondia afirmativamente.
Ele sorria simpático.Penso que não acreditava na minha rapidez de leitura, mas fingia que sim.E era verdade.Os livros que tinha em casa já não me chegavam.
A Biblioteca dos Bombeiros era uma descoberta semanal, onde eu sempre descobria um livro diferente, uma personagem que me fazia sonhar um sonho diferente.
Mais tarde, quando voltei a reler os mesmos livros, alguns por obrigação escolar, foram outros livros que eu li.
Mas a magia ficou. O amor pela leitura também.
Aquela sala sempre muito organizada, o silêncio, o sempre atencioso Senhor Marinheira, o olhar cúmplice da minha amiga quando pela primeira vez entrámos por aquela porta encantada.
Vivem para sempre na minha memória.

Ana de Melo

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