terça-feira, 10 de junho de 2014

Símbolo da força do Douro






Dona Antónia

Autores: Gaspar Martins Pereira e Maria Luisa Nicolau de Almeida Olazabal
Edições Asa, 1996



"Há cem anos, o Douro chorou Dona Antónia. Da sua Quinta das Nogueiras, onde falecera a 26 de Março desse ano de 1896, até ao cemitério da Régua, que ajudara a construir, a " Ferreirinha" foi acompanhada com saudade de 300 mil durienses. Chamavam-lhe  santa" e " mãe dos pobres". Nos quatros quilómetros que o cortejo fúnebre percorreu, entre as Nogueiras e a Igreja da Régua, segundo relatava o correspondente do jornal portuense O Primeiro de Janeiro, grupos de populares ladeavam a estrada e ajoelhavam à passagem do préstito. D. Antónia ia fazer 85 anos, intensamente vividos numa época em que o Douro, o Porto e o País conheceram transformações decisivas.
Era então o tempo em que a região do vinho do Porto sofria  o drama da destruição e da miséria, em resultado da filoxera e da crise comercial. Milhares de hectares de "mortórios" estéreis, onde antes cresciam vinhas viçosas. Adegas com vinho por vender.Lavradores arruinados, sem dinheiro para os granjeios, sem trabalho e sem pão, prontos a deixar para trás a terra que amavam e odiavam, à espera do comboio para o Porto, com o Brasil nos sonhos. Foi nesse cenário de desolação que a figura franzina e ágil da "Ferreirinha" adquiriu uma aura mítica, solidária e generosa com os pobres, altiva com os poderosos. Voluntariosa do esforço tenaz dos durienses na reconstrução do vinhedo regional, adquirindo, por isso a força do mito e a força da história. À destruição provocada pela filoxera, D. Antónia respondia com novas grandes plantações e com compras avultadas de terras e vinhos aos lavradores arruinados. Nos últimos anos da sua vida, ainda teve coragem, para fundar a maior quinta do Douro nos incultos bravios do Monte Meão.
(...)
A "Ferreirinha" é, por isso, uma figura ímpar da história do Douro e do vinho do Porto. Ainda hoje não há duriense que a ignore. Mesmo se a memória se traduz, a cada passo, nas mais fabulosas peripécias, ora picarescas ora épicas, ninguém revela indiferença perante o nome de D. Antónia. Ao contrário do que aconteceu com outros grandes nomes da história duriense, como um Antão de Carvalho ou um Vilarinho de S. Romão, fala-se de D. Antónia e são incontornáveis horas de conversa, por vezes em narrativas contraditórias e incongruentes, que se dizia, que foi assim, que ainda há quem se lembre...E fala-se de amores escondidos com Forrester, do heroísmo do avô contra os franceses, dos inevitáveis potes de ouro na origem da fortuna da família, que sua mãe era peixeira,e, claro dos espíritos que ainda aparecem a quem quiser vê-los, o de D. Antónia, não há qualquer dúvida, deixa um perfume no ar quando passa...Pouco importa se o registo fantasioso criado pelo imaginário das gentes do Douro, pobres e ricos, se afasta muitas vezes do que a história consegue desvendar, com provas documentais.E, se é este último que procuramos atingir neste livro, não deixamos de imaginar o interesse do confronto com os relatos fabulosos das histórias da "Ferreirinha" que a memória duriense a cada passo nos transmite."


Gaspar Martins Pereira e Maria Luisa Nicolau de Almeida Olazabal

Sem comentários:

Enviar um comentário