sábado, 14 de junho de 2014

Memórias do povo





Ardina(  chega a correr… apregoa os jornais acabados de chegar no comboio)
Olh’ó Notícias… olh’ó Século!!!  Olh’ó  1º de Janeiro!
Ó freguês vai um jornal?
Pé descalço, manhã cedo
Cheio de vivacidade
Corro depressa e sem medo
Aldeia, vila ou cidade.
Ardina – Pois então!!! A minha vida é esta…
Trago notícias fresquinhas,
Vindas de última hora
Ganho para as batatinhas,
Trabalhando sem demora
Ardina -  Mas a minha vida, não foi só aqui…na Régua…Vivi alguns anos em Lisboa. Fui “marçano”, mas estava muito preso na mercearia…Vivia todo o dia debaixo da alçada do meu patrão…dormia, comia e trabalhava sempre ali na Rua dos Corrieiros!!!  Eu não sou pássaro de gaiola… A vida nas ruas de Lisboa atraia-me…o movimento, os turistas, o elétrico,  as casas de fado…Com os meus novos amigos tornei-me ardina!!! Corria por todo o lado!!! Conhecia a cidade como ninguém…até há uma canção que retrata a minha vida!

Canção “ Pregão do ardina de Lisboa”

Sobe as ruas, desce as ruas
Bem ladino e apressado
A sua voz em Lisboa
Ecoa por todo o lado.
Olho vivo e pé ligeiro
Na boca sempre uma graça
Corre, corre às vezes cora
Quando uma garota passa.

Olha o Século! Olha o Notícias!
O Diário Popular! O Diário de Lisboa
Que acaba de chegar!...
REFRÃO
Lá vai ele pela rua fora
Lá vai a sua voz à toa
Aqui têm o pregão
Aqui têm o pregão
Do ardina de Lisboa.
Olha o Século! Olha o Notícias!
O Diário Popular! O Diário de Lisboa
Que acaba de chegar!...
Lá vai ele pela rua fora
Lá vai a sua voz à toa
Aqui têm o pregão
Aqui têm o pregão
Do ardina de Lisboa.

Ardina - Olha o Século! Olha o Notícias! 
( entra o médico da terra …figura muito querida )
Dr. João de Araújo Correia – Mas que animação, sim senhor!
Ardina – É verdade,  são as lembranças de Lisboa!...Então o senhor doutor…por aqui!? O senhor doutor passou bem?  
Dr. João de Araújo Correia – Bem obrigado! Que surpresa, aqui hoje no largo da estação… Fiz bem em deixar o meu carro ali estacionado!!!
Ardina Hoje é dia de feira…Qual é o jornal que vai hoje, senhor doutor?
Dr. João de Araújo Correia – Olha, dá-me aí o 1º de Janeiro.  Não viste por aí a  Maria?
Ardina – …qual Maria, a República?
Dr. João de Araújo Correia – Sim, essa mesma, a República.…Ela, às vezes, ainda traz umas fiadas de sável que o homem vai pescando!
Ardina – Aiiii senhor doutor…SÁ-VEL???  Esse peixe quase já não aparece aqui no rio Douro…não sei o sumiço que levou…
Dr. João de Araújo Correia – Isso sei eu! E tu não sabes porquê??
Ardina – Atão! Senhor doutor…sei lá!!! Deve ter emigrado p´ró estrangeiro…
Dr. João de Araújo Correia– São a barragens... que se construíram e ainda se vão fazer mais no rio Douro! Eu sei que as barragens têm as suas funções…mas este peixe levou guia de marcha!
Ardina – E o senhor doutor, não gosta das bogas???Há por aí tantas!!!
Dr. João de Araújo Correia – O sável é especial!!! Que diabo de mosca terá mordido ao sável que chegava a enfastiar? Bem fritinho em fresco ou em escabeche, com um bom vinagre!!! É comer e ficar regalado!!!
Ardina – Estou a ver…estou a ver que é um bom petisco…mas senhor doutor…já que não há peixinho…Leve uma cautela..
Dr. João de Araújo Correia – Dá-me lá então uma cautela e o 1º de Janeiro! Ainda vou até acima, ao Fial, ler as notícias…
Ardina - Ah pois é…o senhor doutor gosta muito daquele sítio, não gosta?
(fazem as trocas…)
Dr. João de Araújo Correia – Dalí, eu vejo o Peso, a igreja, o casario mais antigo…Vejo o rio que ao despedir-se da Régua se espreguiça… numa grande curva… lá depois do Salgueiral!
Ardina – Pois é senhor doutor, é no Santinho!!!
Dr. João de Araújo Correia – E onde andam as “santinhas” das tuas amigas rebuçadeiras???
(ouvem-se vozes…e gargalhadas)
Ardina – Ouça, senhor doutor…ouça bem!!! Parece que chegaram os Robertos…olhe! Elas têm de acompanhar o farrancho!!!
Dr. João de Araújo Correia ( consulta o relógio de bolso) Que pena…não posso ficar e se calhar já nem posso ir dar a minha voltinha! Vou direito para o consultório…posso ter lá algum doente à minha espera! Até depois…
Ardina – Até depois senhor doutor!!! (volta)
Isto é que é…um médico…amigo do seu doente…E quantos trata sem lhes levar um tostão?  Ele é médico…ele é escritor…Deus o conserve…Deus lhe dê muita saúde para tratar da saúde dos outros!
 ( vão chegando os Robertos…e o ardina apregoa a sorte…)

Olha a taluda…3.227 o número da sorte! Compre…anda a roda amanhã!

GRUPO DE TEATRO DA UNIVERSIDADE SÉNIOR DO PESO DA RÉGUA in "O LARGO DA ESTAÇÃO – MEMÓRIAS ( RÉGUA DOS ANOS 50/60 )

1 comentário:

  1. Fiquei muito sensibilizada e feliz,
    por poder ver "Esta fotografia"!

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