segunda-feira, 28 de maio de 2018

Janela com Douro dentro

Foto:josé alfredo almeida


    Ele entra, também, em casas. Não há casas sem janelas. De vários tamanhos e  feitios. Entra sem bater a portas. Sem tocar a campainhas. Tem salvo-conduto,  livre-trânsito. Atravessa caminhos sem pagar portagens.
    Primeiro espera que as casas sejam portas de saída para visitas humanas, próximas, envolventes, sensíveis. Espera que entrem nele sem nele entrarem. Que lhe ofereçam a carícia de olhares contemplativos. Olhares estáticos. Mudos. Silenciosos. Emocionados.
    "Se Maomé não vai à montanha, vai a Montanha a Maomé". É isso. Ele vai. Ele entra em interiores, ricos ou pobres. Entra e é recebido com honras. Com hospitalidade. Com regozijo. Gosta de gente. Por isso se entristece ao encontrar vazios. Espaços com espaço de sobra. Fantasmas. Inúteis. Onde cadeiras vazias desperdiçam paisagem. Onde mesas despidas não são poisos de cálices de vinho fino.  Meros elementos decorativos, alheios à passagem de um filme em ecrã gigante. Restos de passado. Sobras. Escuridão. Abandono.

    Quem terá usufruído, outrora, daquele camarote panorâmico? Não está ninguém em casa. Mas o rio insiste, e corre dentro dela. E não pára. Quem sabe? Talvez alguém  volte, um dia. Para as vindimas de um ano vintage. Talvez.



M. Hercília Agarez
Vila Real, 28 de Maio

1 comentário:

  1. E o sol? Também entra sem pedir licença.
    E deixa sombras que desaparecem ao anoitecer.
    Uma bela fotografia, e um texto a condizer.
    É um gosto... sempre.

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