sexta-feira, 6 de julho de 2018

A barca do paraíso

Foto:josé alfredo almeida



       Deixou-a sozinha, desprotegida, o seu velho dono. Não receia que lha roubem. Não tem valor, mas também não tem preço.
    É uma extensão andante de um fiel das águas enrugadas que a embalam. Suavemente.
    Pois é. O Bogas, como é conhecido pela sua perícia na pesca de tais peixes de água doce, foi levar à patroa, para o almoço, o produto de uma manhã dourada a bordo da barca, silente ouvinte das suas agruras.
    Aproveita ela a imobilidade descansada para espicaçar as suas recordações:
    - Cresceram-me os dentes no rio. Conheço-o como o meu casco.
   Não. Fugiu-lhe a boca para a mentira. Na sua frágil pequenez, nunca ninguém se aventurou a levá-la para longes de cachões de outrora. Navega nos pertos. Com cais à vista. E é feliz assim.
    Os turistas daqueles hotéis moventes, que falam estrangeiro, olham-no sobranceiramente de tombadilhos-colmeias:
    - Façam boa viagem. E encham as ventas com as nossas vistas, com o nosso vinho.
    Sim, com o nosso terroir, com o nosso Port Wine. Nós, por cá, dizemos vinhedos e vinho fino, generoso, tratado. Com muita honra.




M. Hercília Agarez, 
Vila Real, 06 de Julho

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