domingo, 29 de julho de 2018

Andar à deriva





"Infeliz aquele que é só porque, se cair, não terá ninguém para o levantar"  
                                                                                                                      Eclesiastes


    Cansado de uma solidão de quatro paredes, de silêncios agressivos, de fantasmas encurralados, arrastou-a para horizontes ilimitados de céu e de mar. Para movimentos sonoros e molhados. Mergulha os pés em águas acariciadoras como mãos femininas. Confia-lhes angústias, segredos dolorosos, desgostos do passado, na expectativa de que a partilha lhe alivie o peso de Sísifo há anos a vergar-lhe o tronco, a fragmentar-lhe a alma.
    Está acostumado a não obter respostas. Por isso monologa alto para  verificar se a voz sobreviveu à tempestade. Sim, resistiu. Cheia de modulações. Do surdo murmúrio à estridência do grito de raiva.
    Leva consigo a velha caixa de sons, companheira inseparável de que se serve para se ligar a um mundo onde se sente excluído. É ela que ritma os seus pensamentos, as suas interrogações, as suas lembranças esperançosas.
    Solidão. Por destino ou por misantropia? É o mesmo sabor acre, o mesmo cheiro a bolor, a mesma opacidade das sombras. Dói com a mesma intensidade a ferida aberta, cada vez mais funda e pustulenta.
    Desistência? Desesperança de tréguas na luta contra a vida? Vá-se lá saber!.



M. Hercília Agarez
Vila Real, 29 Julho de 2018

1 comentário:

  1. ..Ser.se só ..na vida ..!!?
    ..Solidão..,"dorida..

    sentida...??
    Desistir..assim ??

    .RESILIÊNCIA ...??
    QUESTIONO:ME...




    ResponderEliminar