sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Trago uma carta




Até há bem pouco tempo não sabia quem era o carteiro da minha rua, da zona onde moro.
As poucas vezes que o vi, ia eu a correr escada abaixo, uma boa tarde, um olhar de soslaio, não me lembrava sequer do seu rosto.
Há dias, quando ele estava a distribuir as cartas nas várias caixas do correio do prédio onde moro, coincidiu quando eu ia a sair.
Parei, e perguntei se havia alguma carta para o número da minha porta.
Olhou para mim, perguntou qual o andar e com um sorriso rasgado, respondeu que não.
_ Hoje não há carta para si!

Pela rua enquanto caminhava, relembrei um outro carteiro.
Que eu esperava no penúltimo degrau de pedra das escadas da minha casa, no tempo da minha infância.
Mal surgia na sua bicicleta e se apeava, para entregar alguma carta ao lado da minha casa, a minha voz ansiosa:
_Senhor carteiro tem carta para mim?
Um olhar curioso no início.
Com o tempo e o hábito de me ver ali algumas vezes, à espera de carta, abria o rosto num grande sorriso e respondia:
_ Não, hoje não há carta para si!
Outras vezes, de uma forma séria quase cerimoniosa,
pedia-me para confirmar o endereço.
Para logo a seguir, dizer:
_Hoje está com sorte, tenho aqui uma carta!
E sorria simpático, perante o olhar cúmplice de alguém da minha família que estava à janela ou de algum vizinho (a) que estava perto.
O Carteiro da minha infância...
Há tanto tempo que não me lembrava dele, da sua importância na minha vida...
Uma carta naquela altura, era algo de extraordinário para mim.
Em geral eram cartas da família, de pessoas que me eram importantes, nelas podia sentir cheiros e por vezes a respiração de quem a escrevia.
Outras vezes, ficava à espera.
De uma carta, promessa, ilusão, que nunca chegou

Ana de Melo

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