quinta-feira, 27 de abril de 2017

Sonhos de menina

Foto: Noel de Magalhães-arquivo do Museu do Douro


Surgiu a correr seguida por outras crianças, subiu para a pedra que servia de degrau e bebeu água no chafariz.

A trança larga despenteada, uma das meias descaída. Pelo chão, a arrastar mochila.
Limpou a boca às costas da mão, os olhos grandes, sonhadores, de anjo.
Talvez por isso, a mochila a arrastar também de sonhos que não cabendo já nela, se 
foram acomodando nos livros, nos lápis de cor, no lanche que levava a dobrar para
oferecer ao menino mais lindo da escola. Via pelas roupas dele que não era abastado, 
mas era o mais lindo porque falava com ela de pássaros, de formigas e de árvores e 
também do futuro do que queria ser quando crescesse. E ouvia-a. 
De olhar atento, como se fosse importante o que ela tinha a dizer. Entrou no coreto fez de princesa, representou. Fez do coreto um palácio. Depois, dançou de braços abertos. 
A rodar… 
As árvores gigantes, o sol entre as ramagens a bater nos seus olhos. A rir, a rirem. 
Num banco ao fundo, namorados enlaçados, surdos para a vida fora deles. 

Agora é só silêncio.
Olho este jardim que lentamente se enche de sombras.
Os pinheiros, os bancos pintados de verde, a relva onde dois rapazes jogam à bola.
A menina passa por mim pela mão da mãe.
Tem um ar ensonado e não olha para mim.
Aqui não há nenhum coreto. 
 Nem namorados.

Lá atrás, num tempo de infância, era esse o cenário no jardim do Largo dos Aviadores da Régua.
Ou então, fui eu que sonhei.

Ana de Melo                    

2 comentários:

  1. Ooh Sonho tão REAL..
    Ooh Princesa ,,sorridente ..
    e encantada ..
    è tão "linda " esta história ..!!

    Ana de Melo ..a encantar,me ...!!

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  2. Num tempo de infância, a imaginação pode ter asas.
    A ternura deste texto é enorme, e faz bem à alma.

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