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Foto:josé alfredo almeida |
sábado, 29 de abril de 2017
Façanha solitária
Faz o pino o pião
numa palma calejada
um instante de lazer
um sorriso vencedor
em pobreza conformada
uma pausa de prazer
em tempos de servidão.
Vila Real, 25 de Abril de
2017
M. Hercília Agarez
sexta-feira, 28 de abril de 2017
quinta-feira, 27 de abril de 2017
Sonhos de menina
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Foto: Noel de Magalhães-arquivo do Museu do Douro |
Surgiu a correr seguida por outras crianças, subiu para a pedra que servia de degrau e bebeu água no chafariz.
A trança larga despenteada, uma das meias descaída. Pelo chão, a arrastar mochila.
Limpou a boca às costas da mão, os olhos grandes, sonhadores, de anjo.
Talvez por isso, a mochila a arrastar também de sonhos que não cabendo já nela, se
foram acomodando nos livros, nos lápis de cor, no lanche que levava a dobrar para
oferecer ao menino mais lindo da escola. Via pelas roupas dele que não era abastado,
mas era o mais lindo porque falava com ela de pássaros, de formigas e de árvores e
também do futuro do que queria ser quando crescesse. E ouvia-a.
De olhar atento, como se fosse importante o que ela tinha a dizer. Entrou no coreto fez de princesa, representou. Fez do coreto um palácio. Depois, dançou de braços abertos.
A rodar…
As árvores gigantes, o sol entre as ramagens a bater nos seus olhos. A rir, a rirem.
Num banco ao fundo, namorados enlaçados, surdos para a vida fora deles.
Agora é só silêncio.
Olho este jardim que lentamente se enche de sombras.
Os pinheiros, os bancos pintados de verde, a relva onde dois rapazes jogam à bola.
A menina passa por mim pela mão da mãe.
Tem um ar ensonado e não olha para mim.
Aqui não há nenhum coreto.
A menina passa por mim pela mão da mãe.
Tem um ar ensonado e não olha para mim.
Aqui não há nenhum coreto.
Nem namorados.
Lá atrás, num tempo de infância, era esse o cenário no jardim do Largo dos Aviadores da Régua.
Ou então, fui eu que sonhei.
Ana de Melo
Lá atrás, num tempo de infância, era esse o cenário no jardim do Largo dos Aviadores da Régua.
Ou então, fui eu que sonhei.
Ana de Melo
quarta-feira, 26 de abril de 2017
Onde está o passarinho?
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Caldas do Moledo, 1922 (fotógtafo desconhecido) |
Ou
estou muito enganada,
ou
casou contra a vontade
esta
senhora enjoada.
Já
se viu noiva sisuda?
Nem
esboçou, nesse dia,
p'ra
fatal fotografia
um
sorriso contrafeito.
O
noivo, moço, aprumado,
estar-lhe-ia
destinado
por
interesses paternais?
Com
ar de pêlo na venta,
mesmo
atrás da "amortalhada",
está
talvez a sua mãe
com
ar de quem já é sogra
e
está livre de enxovais.
Quanto
às damas de honor,
vestidinhas
a rigor,
tiveram
sorte diferente:
a
que está à esquerda
tem
à volta do pescoço,
como
se fosse cachecol,
resto
da estola de peles
da
madame anafada.
A
moça aperaltada
à
altura da circunstância,
é
uma nota de luz
no
meio da escuridão
de
fatos e de chapéus
à
espera dos pitéus
como
manda o enredo
de
histórias deste teor.
Casamento
abastado
com
todas as entidades
de
quem manda lá na terra.
Amor?
Bem
procurou o artista,
mas
não estava bem da vista
e
não o pôde topar...
Vila Real,25 de Abril de 2017
M. Hercília Agarez
terça-feira, 25 de abril de 2017
Abril ainda
Ainda
Vou dizendo
Certas coisas
Vou sabendo
Certas outras
São verdades
são procuras
Amizades
Aventuras
Quem alcança
Mora longe
Da mudança
Do seu nome
Alegria
Vão tristeza
Fantasia
Incerteza
São verdades
São procuras
Amizades
Aventuras
Quem avança
Guarda o amor
Guarda a esperança
Sem favor
Ainda
Ainda
Ainda
Ainda
.
Madredeus
A ouvir aqui o MadreDeus: https://www.youtube.com/watch?v=68zIY-dXOtA
segunda-feira, 24 de abril de 2017
Imaginário
domingo, 23 de abril de 2017
Li joão de Araújo Correia
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Foto: arquivo da Tertúlia João de Araújo Correia |
"Foi assim, pois, em 39 linhas, que li João de Araújo Correia pela primeira vez – para logo o procurar e entrar no deslumbramento dos «Contos Bárbaros» e de uma mancheia de outros títulos, incluindo o genial «Folhas de Xisto», que o padre Arnaldo, tão seu grande admirador, me emprestou de uma só vez. Foi assim, em 39 linhas, que descobri este contista a que Aquilino, afinal, se referira como mestre – seu e dos seus pares. Um escritor de uma prosa tão correntia e tão sedutora como esta, descoberta a páginas 73: «Das terras frias da Beira, onde o ar é fino e a leiva arável, cristalina a água e o pão fácil, terras pobres onde a pobreza se veste de burel e linho à sua custa, terras onde o cristianismo não é uma palavra, porque não há ricos; dessas terras alegres desceram os ranchos a vindimar no Douro taciturno. São os poetas a exalçar de fronte erguida o trabalho dos cavadores heroicos. Estes não cantam. Executaram a obra. Podaram e cavaram. Foram enfermeiros de vide atreita a males ruins. Comeram uma côdea. Viveram a crédito. Tremeram maleitas enquanto redraram. Exaustos de sacrifício, estes braços afeitos ao trabalho rude não teriam agora forças delicadas para o trabalho doce de vindimar."
José Carlos Barros
(José Carlos Barros nasceu em Boticas (1963). Estudou na Escola Secundária Fernão de Magalhães (Liceu de Chaves) e na Universidade de Évora, onde se licenciou em Arquitectura Paisagista. Os seus primeiros textos foram publicados no jornal Notícias de Chaves. Enquanto estudante do Liceu, publicou dois livros fotocopiados que não costumam aparecer nas suas referências biográficas: «Lá em Baixo Fica o Céu» e «O Fogo das Cinzas».
Desde então, este original poeta e escritor transmontano publicou: "Pequenas Depressões" (com Otília Monteiro Fernandes – 1984); "Uma Abstracção Inútil" (1991); "Todos os Náufragos" (1994); "Teoria do Esquecimento" (1995); "As Leis do Povoamento" (1996); "O Dia em Que o Mar Desapareceu" (2003); "Las Moradas Inútiles" (edição bilingue, Punta Umbría, 2007; edição em castelhano, La Habana, Cuba, 2009).
Venceu vários prémios literários (o último dos quais, no passado mês de Abril, foi o "Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama 2009", com o livro, ainda inédito,"Os Sete Epígonos de Tebas") e está representado em várias antologias em Portugal e em Espanha.
E recentemenre publicou os romances: "O Prazer e o Tédio" (2009) e "Um amigo para o Inveno" (2013), muito bem considerados pela critíca.)
sábado, 22 de abril de 2017
Singularidades
Autor: A. M. Pires Cabral
Editora: Livros Cotovia/2017
"Podemos dizer que as "singularidades" destas personagens funcionam como a redução de um indivíduo a uma anedota. Suspeitamos, porém, que Pires Cabral não quer apenas a chalaça, e que algumas historietas tocam assuntos bem mais críticos.(...) Todas as obessões e todas as graças de "Singularidades" são uma maneira de falar de outra coisa que não uma cisa que está à vista."
Pedro Mexia in jornal "Expresso"
"Singularidades, o novo livro do conhecido prosador e poeta A. M. Pires Cabral, cuja obra se encontra em grande parte publicada na Livros Cotovia, reúne oito contos, oito histórias singulares de personagens com nomes tão curiosos como Hipólito Clemente ou Basileu Simões, onde se retrata encontros entre o moderno e o antigo, ou entre a ironia e a seriedade, com desfechos que não raras vezes surpreendem."
PS-Já li e deliciei-me com a graça de algumas destas personagens "singulares", retitadas do nosso mundo real - o teatro da nossa vida real- e, creio bem que algumas delas não são só tiradas da ficção, ou sejam, que elas existem e convivem connosco no nosso quotodiano como seres que gostamos de apelidar de excêntricos.
Vale apena ler e apreciar estes "mundos humanos" bem retratados pela belissima e pura prosa de A. M. Pires Cabral. Eu gostei muito de conhecer - ou de reconhecer- em dois dos contos deste livro, o " Flávio Cerqueira ou noves fora nada" e aquele velho "soldado da paz" de nome "Basileu Simões ou a última vontade".
José Alfredo Almeida
sexta-feira, 21 de abril de 2017
Tudo o quero dizer
Uma casa venerável
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Foto: josé alfredo almeida |
"Casa venerável para mim, que o digo ou o escrevo. Para outros, não sei. Não sei nem me importa...
O que estimarei é que tal casa possa escapar, durante a minha vida, à fúria das demolições.É um bota-abaixo que parece, mais do que fugaz mania, uma demência. Não ficará pedra sobre pedra antiga para dar praça a altos castelos de blocos. Com eles brincam às casinhas as actuais crianças grandes - uns tamanhões que não sabem brincar doutra maneira.
Há-de haver, creio eu, santo que proteja casas velhas ainda aprumada nos seus alicerces. Se o há, digam-mo, que lhe quero rezar todos os dias. Quero-lhe pedir que me ampare uma casa secular, que se ergue ali abaixo, às Caldas do Moledo, na avenida que chamam dos Reformados.
Uma avenida que está de parabéns. Não há grande tempo que as suas árvores escaparam à degola.
Na tal dita casa, revestida de azulezos cinzentos, com pinceldas de azul, nasceu o meu pai no dia 15 de Julho de 1869.
É uma casa onde moraram ou ainda moram as senhoras Silvas.
Conhecem-na?"(...)
4 de Setembro de 1980
João de Araújo Correia in jornal "O Arrais"
quinta-feira, 20 de abril de 2017
O meu Moledo-117
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Foto:Noel de Magalhães (arquivo do Museu do Douro) |
"Muito estimaria eu que o Moledo, à parte para o valor termal, fosse uma estância turística.
Nãso lhe faltam, para esse fim, os requisitos insdispensáveis. Tem, a seus pés, o rio Douro. Tem, do outro lado do rio, a Penajóia, vírida montanha, que se desfaz em cerejas, uvas e outros frutos. É um paraíso.
(..)
Nada lhe falta para ser uma belíssima estância termal."
João de Araújo Correia in jornal "O Arrais"
quarta-feira, 19 de abril de 2017
terça-feira, 18 de abril de 2017
Eternamente Douro-35
segunda-feira, 17 de abril de 2017
Douro
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Foto:josé alfredo almeida |
Escadaria de sonhos e tormentas,
em trejeito de nuvens cinzentas,
fundida às águas esmorecidas, d' ouro...
No seu seio, um barco embriagado,sem dono, tão vazio de amor
como de almas despojado...
como de almas despojado...
E tu, ó rio, colecionador de lágrimas minhas,
que vazas de enchentes por minh' alma perdida, ordeno-te!
que vazas de enchentes por minh' alma perdida, ordeno-te!
Esboça por mim, movimentos de vida!
Triste vida esta, na qual tudo se observa e nada se vê!
Triste vida esta, na qual tudo se observa e nada se vê!
Sandra Alves
domingo, 16 de abril de 2017
sábado, 15 de abril de 2017
Lugar do encontro
sexta-feira, 14 de abril de 2017
Beija-me depressa
Deixa que a noite se aproxime
e o silêncio tome conta das ruas e casas.
Que o teu beijo me cale.
Para que possas escutar-me.
Ana de Melo
Só para te ver ganhar...
O furo que fiz no cartão dos brindes,
na padaria da Sra. Maria que ficava na minha rua,
numa prece calada,
cruzei os dedos da mão esquerda para me dar sorte.
Para poder ter nos braços aquela boneca de vestido azul, feito com um tecido esponjoso.
Quando o lápis perfurou o cartão abri os olhos de espanto, em vez da boneca acertei em cheio no prémio máximo.
Uma bola de futebol a sério.
Quando te passei a bola para as mãos, o tempo parou.
A bola saltou da palma da tua mão para o chão.
na padaria da Sra. Maria que ficava na minha rua,
numa prece calada,
cruzei os dedos da mão esquerda para me dar sorte.
Para poder ter nos braços aquela boneca de vestido azul, feito com um tecido esponjoso.
Quando o lápis perfurou o cartão abri os olhos de espanto, em vez da boneca acertei em cheio no prémio máximo.
Uma bola de futebol a sério.
Quando te passei a bola para as mãos, o tempo parou.
A bola saltou da palma da tua mão para o chão.
Na ponta do pé, em ziguezague,
em malabarismos tais...
Num repente fizemos as balizas, uma pedra
de cada lado.
Pela primeira vez perdi, sem me importar.
Só para te ver ganhar.
Declinava o dia.
Para mim nascia, brilhante repleto de vida,
ali, no nosso mundo de criança.
de cada lado.
Pela primeira vez perdi, sem me importar.
Só para te ver ganhar.
Declinava o dia.
Para mim nascia, brilhante repleto de vida,
ali, no nosso mundo de criança.
Ana de Melo
Páscoas Passadas
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Foto:josé alfredo almeida |
Não se compreende que se festeje tanto o Natal e tão pouco a
Páscoa. Se é que a Páscoa ainda se festeja…E os festejos de Natal têm, de ano
para ano, uma expressão mais consumista que religiosa. Ainda o 25 de Dezembro
vem longe, já as ruas se iluminam feericamente e se animam com músicas
ternurentas, repetidas até à exaustão. As lojas oferecem os seus artigos até à
porta da rua e os shoppings são autênticos formigueiros de pessoas entontecidas
com as compras. É preciso cumprir a tradição de oferecer aos familiares, aos
amigos e a quem se deve qualquer favor ou cortesia. Acima do intenso bruaá,
ouve-se constantemente o guincho de uma criança contrariada. O guincho só se
extingue, quando o pai, a mãe ou o avô fazem a vontade ao tiranete. Nas casas,
a opulência da árvore de natal vai fazendo cada vez mais sombra à ternura do
Presépio. A consoada e o almoço do Dia de Natal são os pontos altos da reunião
familiar em redor de iguarias tradicionais. À Missa do Galo já pouca gente vai.
Não por falta de fé, mas por falta de missa. Raras são as terras a poder dispor
de pároco, fixo ou itinerante.
Seria mais compreensível a decadência das comemorações de
Natal que as da Páscoa. O nascimento do Menino Jesus é uma grata memória,
vivida em cada ano, com a maior ternura no mundo cristão. As comemorações
poderiam ser limitadas ao fervoroso sublinhar de uma das mais vultuosas datas
da História da Humanidade.
Ao passo que a Semana Santa, a começar no Domingo de Ramos e
a findar no Domingo de Páscoa, é um tempo de reflexão sobre o que Jesus Cristo
foi como inexcedível exemplo de amor e sacrifício. Entre o presépio de Belém e
a cruz do Gólgota, há uma curta vida de trinta e três anos marcada por um
apostolado de amor ao próximo e as perseguições de quem não aceitava o alcance
da palavra e da humanidade de Jesus Cristo.
Apesar de todas estas razões para celebrar e reflectir, A
Páscoa que hoje temos é, praticamente, a que nos entra pela televisão.
Mas eu tenho na memória uma Páscoa só para mim. A que vivi
alguns anos em rapaz na ridente aldeia de Poiares, diante do solene negrume da
Serra do Marão.
O Seminário Salesiano exercia ali a sua pedagogia e o seu
apostolado. E era com grande rigor que os seus padres cumpriam toda a liturgia
da Semana Santa.
Recordo, como quem folheia ao acaso um velho álbum de
gravuras sépia, as cores e o aroma da luminosa igreja no Domingo de Ramos, o
silencioso recolhimento da Procissão do Senhor dos Passos, o misterioso temor
das Trevas, o repicar dos sinos e o estralejar dos foguetes no Sábado de
Aleluia, a humildade na Cerimónia do Lava Pés, o esplendor da Missa da Páscoa,
com as raparigas muito tesas no seu vestidinho acabado de estrear, a passagem
do Compasso, de opas a esvoaçar e o tinir da sineta sempre interrompido…
Um ano, fui convidado, entre outros estudantes em férias, a
figurar na Última Ceia. O cenáculo foi o refeitório do seminário, onde nos
esperava o senhor padre Paulo, a representar Cristo. Mas logo o bondoso padre
me sossegou:
- Não te aflijas…o apóstolo mau foi Judas Escariote. Judas
Tadeu veio até a ser um grande santo!
E a paz voltou ao meu espírito. Mas agora que Judas Escariote
foi reabilitado, voltei a preocupar-me por ter sido Judas Tadeu. Eu sei lá o
que a História me reserva!
Camilo
de Araújo Correia in jornal “ O Arrais”, do Peso da
Régua
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