sábado, 23 de maio de 2015

Lugar da infância





O tempo,
é
um escorrer de vida.
Um sonho, uma miragem.

A minha família não tinha nenhuma ligação à terra, nem aos vinhos.
Não possuíam quintas nem vinhas no Douro.

O meu Avô chegou à Régua por volta do ano de 1930. Pediu a transferência da CP, da estação de Coimbra para a estação da Régua.

Foi viver para uma casa que ainda hoje existe no Largo da Ponte.
Um Senhor do mais íntegro que conheci.
Amei-o profundamente e sempre o admirei.
Foi nessa casa que eu entrei várias décadas depois.
Onde dei os primeiros passos. Onde tomei conhecimento do mundo através da varanda. Ou quando me levavam a passear. Quando me apercebi de mim e dos outros.

A minha infância, foi uma infância feliz.

Mas a felicidade, aprendi, é algo que temos dentro de nós.
É quase como algo genético.
Não é preciso ser rico.
Podemos ter duras dores, a vida por vezes, parece querer matar-nos e mesmo assim,
há um olhar de esperança, uma força que nos leva a reagir.
Na minha casa,
Vi muitas vezes esse olhar cheio de vida, posto no rio nos montes e um quase sorver, beber a vida.

Como também vi muitas vezes essa felicidade nas pessoas mais humildes, mais pobres, não porque não tivessem a consciência da sua miséria material, mas porque eram pessoas cheias de garra.
Tristes, fechadas
e simultaneamente abertas à alegria.

Como a região do Douro.

Foi num ambiente de harmonia e bem-estar dentro de casa e convivendo com toda a gente que eu cresci.

Fui uma rapariga a que chamam uma" maria rapaz."

Fomos viver para o Corgo para uma casa grande e
de aspecto velho, naquela altura a ideia, é que seria provisoriamente.

Tivemos que deixar a casa no Largo da Ponte, pela altura da reforma do meu Avô.

Foi como entrar num mundo novo.

As vizinhas olhavam, falavam, metiam-se comigo.
Eu só pensava em me esconder.

Essa timidez durou muito pouco.

Por detrás da nossa casa tínhamos um quintal de um tamanho considerável, dividido por dois muros protegidos de vidros pontiagudos.
De um lado havia uma quinta, do outro, vários pequenos quintais que pertenciam a um casario.

Aí encontrei grandes amizades, não só, de crianças como eu, mas também, de alguns adultos.
Pessoas que ficaram gravadas para sempre no meu coração.

No meu quintal, que no fundo era o quintal de muita da criançada lá da rua, passei os melhores momentos da minha vida.
Com os meus primos irmãos, com as(os) amigas(os).

Havia uma figueira imensa.
Onde nos sentávamos nos galhos mais altos e ali ficávamos a comer figos até "rebentar".
Brincávamos aos cowboys.
Ao prego.
ao elástico.
à barra do lenço...

Logo de manhã cedo nas férias grandes que nesse tempo me pareciam imensas, talvez porque o tempo parecia fluir de outra forma...

Nesses dias em que o rio corria mansamente e que o calor, a meio da manhã rapidamente se espalhava como brasas incendiadas, eu acordava com o burburinho e conversas soltas das pessoas que passavam na rua, ou iam comprar pão à padaria que ficava mesmo em frente da minha casa.

Abria as portadas das janelas.
E cada rosto, cada sorriso, era o meu mundo.

Havia sempre ideias para jogos e brincadeiras. As brincadeiras eram levadas muito a sério por mim, e penso que pelos outros também.

Por outro lado eu tinha que ganhar sempre, mesmo que perdesse sempre.
Ninguém reclamava. Não sei porquê.

Muitas das vezes, ia eu para casa das minhas amigas.
No Corgo, mas também na rua dos Camilos e no Largo dos Aviadores.

Tínhamos a Alameda para onde íamos andar de baloiço,
ou jogávamos às escondidas no jardim do Largo dos Aviadores.

Fui muito poucas vezes para o rio. Como eu era, como hei-dizer...muito destemida? A minha mãe não me autorizava.
Não tenho muitas recordações das pontes.
A ponte velha nessa altura estava intransitável.
Da nova, recordo as idas a Lamego de camioneta, às festas da Srª. dos Remédios.

Também recordo a dor e os gritos quase sempre ao amanhecer, de quem perdeu alguém no rio...

A minha infância foi de oiro.
Tal como esse rio, que ainda hoje chamo de meu.

Fui uma criança que brincou, imaginou e sonhou.
Claro que muitas coisas aconteceram, muitas mais, que uma página não chegaria para descrevê-las.

Todas as infâncias felizes são parecidas, mas o sentir de cada criança, e o ambiente que a rodeia, faz dessa infância algo único.

Por outro lado, cada brincadeira cada cumplicidade,
cada aventura cada segredo, nesse tempo de infância, é algo tão especial, que apenas se sente mais nada.
As crianças são como anjos.

Como descrever os anjos?

Ana de Melo

2 comentários:

  1. Uma infância , feliz ,,"delineada " por fortes emoções ..
    por ,momentos , tão bonitos ....Memórias , ..
    tão bem guardadas ..
    A foto , .tão ,. suave , ..

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  2. Lugares também meus, em tempos desiguais. O mesmo sentir, as mesmas recordações felizes, a mesma figueira, o mesmo suspiro...

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