sexta-feira, 16 de maio de 2014

Zona Verde

Foto: josé alfredo almeida


"Há palavrões modernos, que são espantalhos. Inventa-se para espantar, fazer fugir ou pôr de boca aberta as criaturas simples. Levam a palma aos figurões de cartola, postos de sentinela no topo das figueiras para amedrontar a pardalada.Levam-lhe a palma, porque não guardam coisíssima nenhuma. Se há figos a defender, justifica-se o espantalho no alto da figueira. Mas, os palavrões que se inventam para impor respeito ou meter medo não correspondem à realidade. Correspondem a mitos, poeticamente inventados para iludir pategos.
Zona Verde, mais que palavrão, é um desses espantalhos. Não há zonas verdes num país que jurou guerra de morte ao arvoredo. Mas, inventaram-se, como flores de retórica, para se dizer que são indispensáveis em terra esperta, conhecedora dos segredos do oxigénio, coisa fina e que faz bem à saúde.
Não há terrinha que não tenha destruído árvores para se civilizar. Todas entendem que o ideal da civilização é a eira varrida, limpa de praganas. Mas, por sábio respeito às magias do oxigénio, concordam com as zonas verdes, sob condição de nunca reverdecerem. Inventou-as a urbe para dizer que também as tem ou para obedecer a fantástico plano irrealizável. Também as inventou para impedir que alguém as pise ou até satisfaça, no seu âmbito, uma necessidade. Sai daí, malandro, que aí é uma zona verde...
(...)  
Em meio século, poderíamos ter plantado, para nosso regalo e regalo de que nos visitasse, uma formosa mata. Na Régua, todos os vegetais se desenvolvem rápido. Mal vêem a terra, desenvolvem-se a olhos vistos. Tília ou plátano vão do berço à maioridade num ápice. É ver como as roseiras se desentranham em rosas. Humus assim tão fecundo, porque não há-de alimentar um parque? 
(...)
A Régua, no Verão, é um forno.Viajante que por aqui aborde não pára. Foge... Não tem sombras que o coite. No Verão, o tempo de turismos, não há turista que suporte a Régua. Nem turista solto nem agrupado... As excursões de gente humilde, metida em autocarros, não contam com a Régua como ponto vivo. Passam por aqui sem fazer alto. O mais que faz,  a gente humilde, é acenar à Régua com um lenço.
(...)
No pino do Verão, à parte a mesa bem servida e cama limpa, um dos requisitos é a água, a sombra e a frescura, o canto dos passarinhos, uma boa migalha de natureza."

Maio de 1970

João de Araújo Correia in "Pátria Pequena"

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