terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Conversas em dia




    Está de regresso a casa, a senhora Maria Melra. Encontrara-se, na fonte, palco de todas as conversas, de todas as trocas de novidades, de todos os desabafos, com a comadre Encarnação. Não se viam há uns dias, toca de aproveitar o tempo. Os cântaros lá se iam enchendo, contentes, sob o olhar atento do mulherio, respeitador da sua vez. E as revelações atropelavam-se: a Engrácia estava prenha do Quim do Quelho, um valdevinos sem eira nem beira; o Tobias Quartilho teve uma "trambósia" e entaramelava-se-lhe a voz; a menina mais nova do senhor engenheiro não engordava por mor das bichas; o mordomo da festa, o Tonho da Maria Mouca, guicho, já andava a pedinchar para o foguetório; a cozinheira da Quinta das Amoreiras andava metida com o patrão; o senhor padre Jeremias estava cada vez mais mouco e taralhouco; a mestra andava com os calores (com oito filhos, já estava aviada...); o viúvo da Ti Ambrósia já estava de casa e pucarinho com a Rita Remelas. E muito, muito mais. Ficaria para a vez seguinte.

    À porta de casa, a Fatinha, o exemplo de todas as virtudes, aguardava a frescura e a leveza daquela água. A senhora Maria Melra sorriu para a fotografia, toda ancha, queixou-se das dores nas cruzes, do reumático e  das abafações do homem.

     
    A vida. No tempo em que a água cantava nas fontes.


M. Hercília Agarez, 20 de Fevereiro de 2017    

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