sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Álbum de memórias





Tinha os olhos azuis.
Infinitos caminhos de pássaros e de muitos sonhos.
Quando se viu reflectida na vidraça da janela, olhou-se demoradamente.
Como se há muito não visse a sua imagem.
Reparou na sombra dos olhos, e nas duas linhas ao canto dos lábios.

O olhar desassombrado.
De alma escancarada.
O tempo a roçar com aspereza a sua pele,
                                        
a doer-lhe no acordar para a realidade.
Não sabia ao certo como os dias sucessivos e iguais, como pérolas de um 
rosário se foram desfiando
entre alegrias
, perdas e tristezas.
O que tinha dado e o que tinha nas suas mãos.
Sabia do ventre.
Sem flor, nem fruto.
Dos braços sem embalar.
Do amor que por certo a esperou,
mas o destino desencontrou.
Sabia da vida ainda a pulsar em cada veia do seu corpo, do tanto que amava 
o romper de cada manhã.

E agora aquela mulher, que era ela mas ao mesmo tempo era outra, a 
obrigá-la a questionar-se,
assim no meio do nada, num momento em que o seu olhar corria pelo céu 
despreocupado.
Sem pensar no tempo.

A dizer-lhe da urgência de viver.


Ana de Melo

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