domingo, 26 de junho de 2016

Memórias do jardim




Por vezes,
basta um pequeno nada.

Um som, um rosto, um cheiro, uma cor,
uma aragem que parece deter-se, num murmúrio que me fala do passado.

Sempre que saía da escola, tinha paragem obrigatória na Alameda. Depois de algumas correrias à volta do lago, mesmo rente à água, indiferente aos avisos de que poderia cair, eu e mais algumas colegas, rumávamos ao parque infantil.

Não me lembro de nenhum dia que não fosse andar de baloiço, depois fazia a ronda pela balança o escorrega e os cavalinhos.
Naquela altura, eu sabia a importância de cada instante,
por isso aproveitava tudo o que me fazia feliz.
Talvez, porque à medida que fosse crescendo iria esquecer-me dessa percepção, que penso todas as crianças possuem.

Algumas vezes, íamos até ao jardim do Largo dos Aviadores.
Um jardim de grandes árvores centenárias, bebíamos água no chafariz, em grande alvoroço, depois ficávamos a conversar sentadas nos bancos espalhados pelo jardim.
O coreto ao fundo, o sol entre as ramagens.
Falávamos da vida.
De histórias reais que alguém ouviu contar, de alguma notícia que saiu no jornal e toda a gente comentava, de livros, do último que uma de nós, trouxe da Biblioteca dos Bombeiros...
Também de rapazes.
Brincávamos muitas vezes ás escondidas.
Foi numa dessas vezes, na pressa de arranjar um esconderijo, que me deparei, com um par de namorados,
enlaçados, e longe do mundo, a beijarem-se.
Um beijo de cinema como aqueles que eu via aos domingos à tarde, na televisão da paciente e doce Senhora Rosalina, eu e várias crianças da minha rua.
Eles não deram por mim, e eu guardei essa visão mágica onde entrei sem querer.

Soube que a vida real podia ser como no cinema.
O amor de certeza era o segredo.

O jardim já não existe nem a Alameda tal como era, ponto de encontro, lugar de descoberta, de recreio, de momentos únicos de várias gerações. De matar a sede e o calor de Verão.


Dentro da minha memória tudo está intacto, basta um pequeno nada.


Junho de 2016
Ana de Melo

2 comentários:

  1. Memórias...que "habitam" "brilham" ...
    no coração !!


    A delicadeza ".. de ANA de MELO..
    que eu aprecio , bastante !!

    ResponderEliminar
  2. Mataram o "nosso" jardim de adolescentes.
    Tantas e boas recordações para tanta gente...

    ResponderEliminar