domingo, 19 de junho de 2016

Louvor às árvores





Poucos portugueses há que gostem de árvores. Tiram-lhes a vista... Querem o campo visual desafrontado como se temessem inimigo oculto.
De geração em geração, vai-se agravando esta sanha arboricida. Árvores isoladas, que cresceram e se desenvolveram livremente, dando nome e beleza a certos sítios, uma hoje, outra amanhã, foram sacrificadas a esse furor, porque eram árvores. Aquele pinheiro manso, aquele castanheiro, aquele cedro - já não existem. Foram degolados sem que ninguém os defendesse nem chorasse. O mais que se diz, em seu louvor, é que deram bons carros de lenha.
Esta árvore deve ir abaixo, porque está velha. Esta árvore deve ir abaixo porque estorva. Esta árvore deve ir abaixo porque não deixa ver quem vai na rua. Verdade é que nem a árvore está velha, nem estorva, nem impede que se vejam as pessoas que se querem ver. Mas, é árvore... Deve morrer porque teve a pouca sorte de ser árvore.
O homem antigo, se não amava as árvores, respeitava-as por instinto. Foi a maneira de nos legar algumas. O homem moderno põe em jogo uma espécie de inteligência para as destruir. Não quer que tenham fisiologia. Não admite que levantem passeios, nem arremessem folhas aos telhados. Quer que sejam inertes como candeeiros. O homem actual deixará à posteridade em vez de árvores, pérgulas de cimento. Confunde urbanismo com desarborização. O urbanismo que pede verdura, é entre nós sinónimo de secura. Ninguém urbaniza sem pôr raízes ao sol.
Há quem diga que é preciso destruir árvores para dar lugar aos automóveis. Mas se o motor de explosão, com as suas exalações, destrói a saúde pública e a árvore é o seu contraveneno, é indispensável conciliar a existência do motor com a existência da árvore. É preciso que se acomodem ambas no espaço que lhes couber, sob pena de morrermos envenenados.
Cada árvore é uma bica de oxigénio indispensável à vida. É, de mais a mais, filtro de gases tóxicos provenientes de combustões devidas ao nosso comodismo. Tais gases vão fazendo de cada povoado uma câmara de condenados à morte. Os moradores de certos países parecem moribundos.
Só a árvore os poderá salvar.
Conviria convencer de tal verdade o nosso homem comum, que não olha as belezas da paisagem, mas é capaz de defender a beleza da sua pele. Só assim se poderão salvar as árvores que ainda existam em cidades e vilas portuguesas.


João Araújo Correia in "Passos Perdidos"

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