sexta-feira, 3 de junho de 2016

A Régua não gosta de flores!

Foto: josé alfredo almeida


A Régua não gosta de flores! Não negue. Eu sei que não gosta de flores. Ora, que pejo! Não gosta…confesse. Os seus quintais são matagais, quando não são lixeiras – tenho-os visto. Os seus jardins são ervaçais ressequidos. Aos seus varandins não riem cravos no tempo. No vértice dos decotes, cá na vila, nunca vi enlanguecer rosas. Que pena! As rosas são o símbolo esplêndido e melancólico do Belo efémero. Que bem que ficam, tendo por travesseiro de agonia e leito de morte a pele feminina! Nunca vi rosas na Régua. Às vezes invadem-me o escritório e a mesa de jantar. Vêm-me de longe às gabelas, às braçadas – colheita de braços condoídos da minha sede de sonho, braços distantes e altos como nuvens que enviam água a um deserto.
Na Régua… nem flores mercenárias! – disse-me há dias com mágoa uma gentilíssima senhora portuense. Nem flores mercenárias! Que saudades não deve ter de monstruosos crisântemos, camélias frias, atrevidos cravos, rosas-chá dolentes como as meninas de ontem, essa mulher loira e rosada, cuja voz parece uma brisa gemente sobre alegretes ermos? Que saudade!
Os jardins da Régua são pasmados como os soturnos olhos que os contemplam. São espelhos morais de quem se mira nas suas ervas secas. Uma tristeza…
Porque não há flores na Régua? Desde a Primavera, a Régua fica inebriada todo o ano da rescendência das vinhas. Não basta. É preciso que os olhos espaireçam e se remocem e se humildem na admiração de sucessivas harmonias. A cada mês sua coloração e seu aroma.
Quisera que os jardins da Régua fossem escalas de perfume e cor. Que os jardins cantassem – como diria o poeta. À míngua de escolas, jardins – távolas redondas duma eucaristia de beleza.


João de Araújo Correia in “Sem Método”

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