domingo, 24 de janeiro de 2016

Lamego, cidade verde





Entre espaldas de granito, Lamego é uma cidade verde, feita de quietude e de silêncio. Tem milhares de almas. Esse formigueiro porém… nem se vê nem se ouve trabalhar. Dentro de oficinas escusas, os sapateiros batem a sola com marteladas surdas. Dos rossios e das ruas largas, dos becos e calçadas medievais, não sobe um pregão. Sobem torres, ergue-se um castelo que diz: escutai. Então o silêncio desdobra-se na mudez religiosa dos bosques, no fresco mutismo das almuínhas, na descrição dos seres animados. As senhoras passam e só se distinguem das estátuas pelos olhos doces. Os homens cruzam a sombra um dos outros como se pisassem tapetes de veludo. Os rebanhos da Beira atravessam Lamego calados. Se um cavalo de cigano tropeia nos lajedos… acordo ecos lendários. Se um automóvel grasna, é escárnio, é a risada de gaio que risca o céu no tempo farto. À noite, Lamego tolera o gemido duma guitarra.
Lamego dilui, ioniza os ruídos, convida moradores e forasteiros ao labor recôndito do espírito. Um berro em Lamego é uma blasfémia. O mocinho que vende as folhas nas as apregoa. Oferece-as na palma da mão a quem as quiser ler. É distinto de todos os garotos do mundo.
A raça, em cidades, conhece-se pelo toque das figurinhas de barro que constituem o povo. Lamego tem moças de servir esbeltas. É uma cidade fina, tem requintes de porcelana lúcida.
Lamego! Este nome soa a remoto, sabe a pergaminho e a doce de convento. Cheira a pecado. Diz-se e fica a boca rude e deliciosa.
Lamego é uma cidade verde. É verde cerrado das matas, o verde buliçoso e translúcido dos álamos, o verde encadeado dos soitos, o verde fosco dos cálices das rosas.
Lamego é a cidade em que a terra se casa com a pedra harmoniosamente. Um festão de pâmpanos abraço o cunhal duma morada. Um velho espreita da janela os víridos renovos… Lamego ergue edifícios e cultiva flores com mãos de anéis. Em Maio, os terços de rezar transforma-os em grinaldas. Cingem as árvores cordões mordidos de corolas. É uma cidade em que o rústico se afidalgou sem repúdio do primitivo. E como na terra tudo é lento, desde o laborar das seivas ao ascender das seivas, o medir da fita ao balcão lamecense é sossegado como o comer e o benzer do lavrador.
Lamego! Terra escura. A sua luminosidade é toda interior. As braseiras do lar nunca se apagam. Brilham os rases no Museu, cintilam os olhos das mulheres na fonte.
Dizem que Lamego é avara. Será. O beirão sopesa o valor do graeiro que sementa. Embora. Lamego é gentil com os hóspedes, é carinhosa com os seus doentes. Trata-os num hospital airoso como um ninho, enternecedor como um berço embalado por uma avó. Onde há burgo liberal que faça o mesmo?


João de Araújo Correia

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