quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Rapsódia de cores



Foto: josé alfredo almeida



    Foi generosa connosco, a natureza. Na Primavera somos sorrisos verdes e alinhados. Tímidos mas confiantes na pujança de um Verão em que os nossos frutos medram a olhos vistos, como crianças bem aleitadas. Esquecemos, depressa, a negrura esquelética do Inverno. Consolam-nos as oliveiras, elas sim, sempre com o sorriso rasgado das suas folhas, lâminas de prata.
    Quando o estio se aproxima do adeus, somos o chamariz de bandos de vindimadores afanados. Assistimos então, impotentes e resignadas, à amputação inevitável dos nossos tesouros mal precatados, sujeitos a investidas de intempéries invejosas.
    Perdemos uma riqueza, ganhamos outra. As vinhas têm mais encanto na hora da despedida. O Outono esparge sobre nós todas as cores do arco-íris, promove-nos a rainhas da paisagem, coroadas de ametistas, de safiras, de esmeraldas, de rubis, de topázios. Quando o sol nos abençoa, torna-nos ainda mais aguarelas. Sentimo-nos vingadas. Como escreveu Torga, os socalcos que nos seguram as raízes são "varandins que nenhum palácio aveza". E, pouco depois de os nossos cachos descerem aos locais da tortura,  ainda segundo o poeta, "há sol engarrafado a embebedar os quatro cantos do mundo."


12 de Outubro de 2015
M. Hercília Agarez

1 comentário:

  1. O Outono....num poema ....
    ou em prosa ...
    Uma "rapsódia " de palavras ...mais ,ou,.... menos "requintadas" ....e "vestidas " , com a mais "belas cores..

    Gostei.....muito..

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