sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Falando verdade




Não me levem a mal os meus conterrâneos, mas o Douro não é uma terra generosa nem grata. O que parece dar num tempo, tira-o no tempo seguinte, com uma frieza desconcertante.
Não o digo com mágoa, mas com a lucidez de quem conhece a terra dura e a sua gente, e de quem nada espera, em troca da entrega do seu coração, para sempre. – Moledo, Loureiro, Godim, Régua, são os lugares onde nasceram, viveram e morreram aqueles de quem descendo, por parte de minha avó materna. Guardo alguns móveis, retratos, livros, cartas, histórias, segredos, e com tudo isso, formei o meu caracter e vou construindo as minhas memórias, e o imaginário dos meus contos.
Não há gente mais romanesca, não há um sentir mais poderoso, mas ao mesmo tempo tão efémero, sempre pronto a ser engolido pela terra fria, ou pela terra quente, ou pelo rio de correntes e de percurso nada amáveis.
Já muito poucas são as pessoas que me conhecem e que guardam de mim uma lembrança terna. Para os novos, eu sou uma estranha, e passeio pelas ruas da Régua, ou pelas calçadas solitárias das aldeias, como um fantasma, intrusa no seu quotidiano cada vez mais enquadrado nas fórmulas que uniformizam as sociedades e os seus destinos.
Nos meus contos, como quem adormece com um belo sonho, eu desenterro as personagens e as suas vidas, e recoloco-as na paisagem e nas casas que foram delas, e agora são ruínas, e dou-lhes voz e movimento. Prolongo-lhes o sentido. Não sou saudosista. Sou herdeira e intérprete de um mundo que apenas desapareceu da superfície, mas lá está, subterrâneo, brutal, nos alicerces de um mundo antiquíssimo.

Mónica Baldaque
24 de Dezembro de 2014

2 comentários:

  1. Um "agradável " texto...
    Com delicadezas , simplicidades , "deliciosas",
    e que nos proporcionam , bonitos momentos de leitura..
    Gostei , bastante!

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  2. Sem dúvida, um belíssimo de texto de um "alguém", que pode ser qualquer pessoa, seja ou não duriense ou reguense, mas que fundamentalmente, ama tais terras, tais memórias, tal gente "romanesca".

    Paula Pedro

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