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Foto:josé alfredo almeida |
Súplica
Rio,
que levas o meu sangue ao mar
E
no mar o sepultas,
Doira
a minha memória.
Conta
às ondas e ao vento
A
desumama história
Da
minha dor.
Que
não julguem que tudo se resume
A
uma gota de sol e de perfume
Diluída
no pó da tua cor.
Miguel
Torga
Douro. Estou ausente em ti. Tu estás
presente em mim. Do lado de lá da minha amostra de mundo. De repente, a a tua
proximidade virou lonjura. Continuas a correr em ritmo sereno. Não tens
barreiras, além das margens que te bordejam o leito com um já verde de
renovação. Estás, também tu, sujeito a esta frialdade sobrante de Inverno.
Parece que a estação de todos os encantos está a solidarizar-se connosco, de
gelados humores, condenados a prisão por crimes que não cometemos.
Roubam-nos os sorrisos. As nossas mãos esquecem a linguagem dos
afagos. Somos pedregulhos esquecidos em altos de montanhas. Solitários. Mudos.
Preservados.
Não temos o direito de querer estar bem,
quando tudo está mal. O desassossego irmana-nos. Estamos, agora, cada vez mais iguais. Velhos
e novos, ricos e pobres, pretos e brancos. Juntos, à distância, em comunhão de
destino. Nada nos redime. Se corremos mais riscos uns do que outros, ninguém
está imune.
Resta-nos a esperança. Devemos tratá-la com
desvelo de mães de recém-nascidos. Embalemo-la, cantando baixinho, para não
esquecermos o eco da nossa voz. Reguemo-la, como arbusto quebradiço acabado de
plantar. Para que cresça saudável e nos pague o zelo, quando lhes for hora de
se abrirem em flor.
Ocupemos os nossos dias conformados e
obedientes a escrever a lista das pessoas com quem trocaremos abraços e
experiências, a lista das coisas que poderemos fazer quando regressar o prazer
e formos abençoados com a graça de estarmos vivos. Tudo nos parecerá mais belo, todos estaremos
mais fraternos, menos egoístas. E, se se mantiverem as previsões, ainda
estaremos a tempo de festejar a Primavera. E a vida. Um barco nos esperará para
partirmos em aventuras adiadas.
M.
Hercília Agarez,
Vila Real, 03 de Abril de 2020
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