segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Nem só de whiskas vive o gato...

Foto:josé alfredo almeida


    Não tenho razões de queixa da minha sorte. Mesmo sem espelhos, sei que sou bonito. A avaliar pelas tentativas (mais que muitas) de me raptarem, de me condenarem a sedentarismo confortável. Ouço elogios meigamente sussurrados. Ao meu branco sem mácula (prova da eficácia da minha língua a dispensar gel de banho), ao verde esmeralda dos meus olhos. Se me afagam, eu vou permitindo, mas sempre na retranca, sempre de garras afiadas para qualquer eventualidade.

    Vivo por conta própria. Não tenho domicílio fixo nem, por isso, número de polícia. O meu mundo não tem fronteiras. Vadio a meu bel prazer, faço visitas diárias a generosos quintais das redondezas. Não sou, propriamente, um sem abrigo, porque, com o tempo, fui escolhendo recantos recatados, à prova de frio e de chuva.

    Nas minhas deambulações pensativas reparo nos olhares tristes, lânguidos, dos meus colegas prisioneiros, pousados, como bibelots, em parapeitos soalheiros.

    Não fui submetido a nenhuma intervenção cirúrgica, pelo que conservo tudo a que, anatomicamente, tenho direito. Assim garanto o prolongamento da espécie, agradecendo não ser ela obrigada a testes de paternidade e a perfilhações adulterinas…


    Nem só de colos e de whiskas vivem os gatos!!! 


M. Hercília Agarez
10 de Dezembro de 2018

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