sábado, 15 de dezembro de 2018

O repouso do guerreiro

Foto:josé alfredo almeida




     Cavador do Douro. Ou jornaleiro. Porque cava, porque trabalha à jorna. Mudou a sua imagem, mudaram as suas condições de vida e de trabalho, não o seu ofício, o peso de enxadas e ferros e pás. Não o cheiro a terra enterroada, o tempo de entrar em cena na novela da vinha – “Cavas em Março e arrendas pelo S. João, todos o sabem mas poucos o dão”. Não os materiais das suas alfaias, inseparáveis aliadas, seu complemento directo. Pau rijo em ferro afiado. De geração em geração.

      Mudaram os panos das suas roupas: o serrobeco, o cotim, de calças remendadas, o algodão riscado de camisas abertas até ao umbigo, mata-borrões de suores quentes. Já não pés nus ou entrados em socos sonoros, cheios de gretas que a terra rasgou. Já não chapéus em palha, de abas largas, guardas de sóis e de chuvas.  

    Na estatuária portuguesa o cavador, que ela amoravelmente eternizou, surge curvado, em arco, posição obrigatória no acto de pôr o solo arável em reboliço. Não é o caso, nesta bela escultura. Aqui o camponês é apanhado em flagrante descanso. Como soldado que pousa a espingarda que lhe derreia as costas, ele depõe a enxada em que arrima um cansaço por breve pausa. Serve ela de bengaleiro ao entrançado que lhe é de tecto diurno. Com a mão direita segura o lenço-rodilho sobre o pescoço, travando o livre curso de bravas bagas de odor acre.

    Cavador do Douro, cavas terra preciosa. Que te desforres quando ela se desfizer em frutos.  Tornar-te-ás, então, vindimador?
   


    M. Hercília Agarez

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