quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Arte na paisagem

Foto:josé alfredo almeida


É agora o tempo das podas - como calculam. A seiva está morta nos caules e nos ramos. As filas de choupos que bordam os ribeiros são teorias de espectros, almas penadas da Primavera e do Verão. Que, onde melhor se conhece o Inverno é aqui, no sítio onde eu moro, entre vinhas baixas. As curvas destes montes rebentavam de verde ainda o outro dia, veio o Outono, tingiram-se de roxo, lambuzaram-se de oiro. Desta pompa nada resta. Cepas e vides nuas cingem o corpo dos montes. É um abraço de esqueletos. Coisa triste… Apenas a anima o trabalho dos homens, o tic, tic, tic e a cintilação dos bicos das tesoiras. É o tempo das podas, é a vez dos podadores. Eles curvam-se como cirurgiões teimosos sobre o ventre das videiras mortas. Cortam, chapotam, bafejam – hão-de ver se ressuscitam. Já nos cerros abriu a flor da amendoeira. Vem aí a seiva. É preciso podar.


João de Araújo Correia in Três Meses de Inferno

1 comentário:

  1. E a escrita tão bela e verdadeira de J.de Araújo Correia.
    "É um abraço de esqueletos".

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