quinta-feira, 26 de novembro de 2015

O Olhar de Noel de Magalhães




             Memórias de um Olhar
             (Catálogo da Exposição de Fotografia)
           
             Autor: Noel de Magalhães
             Edição. Museu do Douro



           Como homem do Douro, Noel de Magalhães não poderia escapar à tentação de olhar a paisagem e de a interpretar nas suas imagens. Desde cedo se deparou com os socalcos e a árdua lida da vinha e o transporte do rio abaixo nos barcos rabelos. O seu olhar vai ao encontro de uma já longa tradição da fotografia de paisagem da região.  
          (...)
          Ao mesmo tempo, Magalhães dá sinais de afastar de um hipotético programa ideológico na fixação do seu olhar sobre a paisagem natural e humana do Douro. A dimensão pictórica desvanece-se no confronto com o real humano. Ao contrário de Alvão, Noel de Magalhães, talvez por ser filho da terra, afasta-se das paisagens distantes e dos retratos icónicos da faina para se intrometer no interior dos povoados e confrontar a realidade bem menos "institucional". São as imagens de um quotidiano que trazem para o palco da fotografia um sem número de desconhecidos: o homem que pesca no rio, outro que desce a viela com o sol batendo-lhe pelas costas, os calceteiros que desenham a calçada e dão corpo a uma tradição com a sua laboriosa paciência, os pescadores que partem para a faina, as lavadeiras que lavam no rio de que não vemos o rosto, lembrando a fotografia de Lyon de Castro Lavadeiras do Mondego, a criança que sonho navegar na barca que paira na areia, o pescador que remenda as redes, o jovem rapaz que pastoreia as ovelhas e se entretém, de cajado ao ombro, afagando uma das crias, a criancinha que se entretém pela rua junto da mãe numa venda da aldeia, a carroça puxada por uma mula transportando toda a família, os trabalhadores dos caminhos de ferro fixando os trilhos, os ciganos que acampam junto ao rio com as suas frágeis tendas e as moças de brincos compridos sorrindo para a câmara, a menina que desce a rua com os cabelos raiados pela luz do sol tornando-a, assim, tão especial e a criança que, por trás dela, brinca com um arco, a imagem de uma mulher idosa que avança sobre o manto de neve e a que Noel de Magalhães chamou Penosa jornada inspirado no duro caminho por ela percorrido, um carrossel com as cadeiras suspensas e rodopiando captado com uma câmara apontada para o céu gerando uma imagem plena de energia e frescura, no formato quadrangular, lembrando a imagem de outro fotógrafo do mesmo tempo Gérard Castello-Lopes, e cujo plano repete vinte anos depois no mesmo lugar.
           (...)
          Na qualidade de amador e salonista que é, a obra de Noel de Magalhães deve ser lida  para além de um interesse documental e regionalista e ser pensada no quadro da fotografia amadora nacional, no cruzamento de várias dinâmicas e tensões. A análise destas imagens tem assim a oportunidade, para além do enfoque obrigatório sobre o autor, de contribuir para discutir o papel da fotografia amadora e do salonismo, de modo a continuar a visão que posiciona esta prática, de forma simplista, num lugar conservador de replicação de modelos e estereótipo de matriz ideológica associados ao regime do Estado Novo."


    Filipe Figueiredo

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