sábado, 16 de fevereiro de 2019

Morada cobiçada

Foto:josé alfredo almeida




            Tudo busca, no regaço do rio, a ternura maternal de embalo quente e dolente. Tudo. Árvores e montes, casas e pontes. Fixos, quotidianos frequentadores. E móveis, estouvadas, levianas nuvens. Magras e gordas, do branco ao cinza claro, ao cinza escuro, de semblante carregado, ameaçador, ao quase preto. Abusam da hospitalidade. Estas. Quando se dignam descer, em bandos, a baixos terreais. Veem refrescar-se de bafos de altos sóis. Refrescadas e refasteladas. E traquinas, como miunçalha peguilhenta. 

             Nuvens. Recheio de rio calmo. Calmo? Nunca fiando…. É como a gente, o rio. Tem bom e mau. Também engana os incautos. Também se compraz a pregar partidas. Gosta de proclamar a sua ainda força, a sua virilidade. Como a gente, como nós, nem sempre faz bem as digestões. Guloso insaciável, alambaza-se, empanturra-se. E vai daí, regurgita, com estrondo mal-educado, sulcando margens, meio inconsciente dos efeitos dos seus maus fígados e estômagos, num salve-se quem puder de que se não compadece.


              Não levemos a mal, ao rio, excessos que constam do seu código genético. Errar não é só próprio do homem… 


     M. Hercília Agarez
     Vila Real, 16 de Fevereiro         

2 comentários:

  1. ...Metáforas .."curiosas" doces ..menos doces !!
    ..Mas sim ..um belo "TEXTO" ..que li deliciada !!!
    A fotografia ..tem tudo ..a condizer ..pois sim ..pois SIM .!!!
    GOSTEI ::GOSTEI ..!!!

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  2. Retratos de um rio, em excelente prosa.

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