"É Setembro, pela manhã e já os fios da madrugada vão deslaçados. Para contentamento dos olhos, tendo agora ali, no miradouro de S. Brás, um dos mais belos panoramas do Douro, de mais a mais em tempo de vindimas. E tudo em meio de um horizonte esverdeado que se distende por aí além, a céu aberto, até se quedar na testeira sólida e azulada do Marão.
Daqui, deste miradoiro, advinha-se por todo o lado uma atmosfera de mosto, numa explosão de evoés. Para me sentir desenraizado, dou asas à imaginação e dou início à vindima dos olhos.
Lá está a fita sinuosa do rio. Banhado pela luz da manhã, deixou de ser um rio dramático, mas lírico, e é agora um rio plácido, como se já não precisasse de limar as arestas do leito. E dá para tudo: para fazer o meu banho lustral da paisagem líquida, para reflectir, com prosápia, o rosto renovado de muito casario, até para embalar os turistas que nele vão embarcados, rio acima, rio abaixo, feitos marinheiros de água doce.
É ditame antigo que a nossa infância está em todos os lugares e é dona do tempo, sempre que o tempo rejuvenesce.Creio que sim e, com nitidez impressionante, vejo dali o lugar que me foi berço, onde semeei afectos e onde fiz uma sublime aprendizagem, a do amor à Natureza. Faiscando ao sol vejo a matriz dos meus antepassados, bem alicerçada no património dos meus mundos. Sei onde está um velho poço, o recanto assilveirado duns amorios secretos, a carnação dos pêssegos cardinal, a dávida das amoras silvestres, os carreiritos de brincar aos polícias e ladrões.
Delírios de criança, fantasias de adulto, tudo vem à tona, como se a quadrícula do meu reino fosse um espaço infinito, o mundo dos meus brinquedos e das minhas prosperidades.
Mas, é Setembro, o mês de vindimas e todo o Douro é uma realidade concreta e sumarenta, na ondulação dos socalcos e bardos. Todo ele me vem ao contentamento dos olhos..."
Manuel Braz de Magalhães
Um texto interessante , recheado de "surpresas", e
ResponderEliminarum "aroma" de "Outono"...