sábado, 29 de fevereiro de 2020

Estou só

Foto: josé alfredo almeida



Os milagres acontecem
a horas incertas
e nunca estou em casa
quando o carteiro passa.
Hoje, abriu a primeira flor
e eu disse é um sinal.
Olho em volta : estou só
trago esta sombra comigo.



Ana Paula Inácio

Um rio de sonhos

Foto: josé alfredo almeida 



Nada foi
feito o sonhado
mas foi bem-vindo
feito tudo
fosse lindo


Paulo Leminski

Eternamente Douro-972

Foto:josé  alfredo almeida

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Eternamente Douro-971

Foto:josé alfredo almeida

Por uma flor

Foto:josé alfredo almeida


Podes cortar todas as flores 
mas não podes impedir a Primavera de aparecer.


Pablo Neruda

Agora sou eu própria

Foto:josé alfredo almeida




Sou rainha de todos os meus pecados esquecidos. 
Em tempos fui bonita. 
Agora sou eu própria.



Anne Sexton

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Um rio de vida






Um rio não morre quando corre em nós.

O que é o tempo dentro de uma foto?
           É tempo presente.

Quando tudo nos fala de vida. 




Ana de Melo

Eternamente Douro-970

Foto:josé alfredo almeida




sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Eternidade

Foto:josé alfredo almeida




A minha eternidade neste mundo
Sejam vinte anos só, depois da morte!
O vento, eles passados, que, enfim, corte

A flor que no jardim plantei tão fundo.


As minhas cartas leia-as quem quiser!
Torne-se público o meu pensamento!
E a terra a que chamei — minha mulher —
A outros dê seu lábio sumarento!


A outros abra as fontes do prazer
E teça o leito em pétalas e lume!
A outros dê seus frutos a comer
E em cada noite a outros dê perfume!


O globo tem dois pólos: Ontem e hoje.
Dizemos só: — Meu pai! ou só:— Meu filho!
O resto é baile que não deixa trilho.
Rosto sem carne; fixidez que foge.


Venham beijar-me a campa os que me beijam
Agora, frágeis, frívolos e humanos!
Os que me virem, morto, ainda me vejam
Depois da morte, vivo, ainda vinte anos!


Nuvem subindo, anis que se evapora...
Assim um dia passe a minha vida!
Mas, antes, que uma lágrima sentida
Traga a certeza de que alguém me chora!


Adro! Cabanas! Meu cantar do Norte!
(Negasse eu tudo acreditava em Deus!)
Não peço mais: — Depois da minha morte
Haja vinte anos que ainda sejam meus!



Pedro Homem de Mello

Eternamente Douro-965

Fotos: josé alfredo almeida 

Eternamente Douro-964

Foto:josé alfredo almeida

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Por dizer

Foto:josé alfredo almeida


(...)
as palavras que ficam
por dizer
são as únicas que nuncam deixam
de doer


Lília Mata

Paisagem de poemas

Foto:josé alfredo almeida

 


escrevi todos estes
poemas para ti
mas

tu não és a pessoa
para quem eu os escrevi



Lília Mata

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Alma suspensa

Foto:josé alfredo almeida


"Há um grande silêncio que está sempre à escuta... E enquanto a gente fala, fala, fala, o silêncio escuta...e cala."

Mario Quintana

Basta a luz

Foto: josé alfredo almeida


Uma palavra,
como a luz de um vaga-lume, mesmo à beira dos sentidos.


Diz-me, mesmo que breve.
Entre todas as palavras.

Ilumina-me por dentro.


Ana de Melo

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Fogo em matizes

Foto:josé alfredo almeida

     

enlanguesce o poente
de olhos cansados:
rio lhe dá guarida

pôr do sol encaixilhado:
fogo em matizes
em céu e em rio



       M. Hercília Agarez

domingo, 16 de fevereiro de 2020

Melancolia ao sol

Foto: josé alfredo almeida



Régua, 15 de Fev, à tardinha



"A mente pensa em tudo o que tu podes perder. O coração pensa em tudo o que tu podes oferecer. A alma pensa em tudo o que tu és. 
Eu vou deixar que decidas qual desses três é o mais importante..." 

 Neale Donald Wals

sábado, 15 de fevereiro de 2020

Tudo lhe diz






Como uma voz do passado ou uma certeza anunciada por um anjo
entre a alma e a memória,
tudo lhe diz
que é ali, no encantamento que o Vale encerra,
na quietude do entardecer, no rio que o viu nascer e sempre leva consigo nos seus olhos de menino para  onde quer que vá,
que espera.
Que a vida o surpreenda e o  Universo se organize a seu favor.
Ali, onde nada é estático
tudo flui
em consonância com a vida e os dias.
Ele espera.
Como quem espera construir para si, um mundo novo.
Ou espere alguém.

Que caminhe ao seu encontro,  como um  rio caminha para a foz.


Ana de Melo 

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Haverá sempre um dia






Algum dia eu haveria de entrar na normalidade dos que te amam. Amo-te. E dói escrevê-lo (que é pior, meu amor, do que dizê-lo). Amo-te absoluta, impossível e fatalmente. E ouço, adolescente, uma música adolescente, para me lembrar de ti, porque lembrar-me de ti é lembrar-me que não consigo esquecer-te. E ouço música porque ouvimos música quando amamos, e tudo, no amor é música, acústica da alma que quer ser devorada, e, neste caso, dor (tão deliciosamente insuportável) de amar sem sequência nem expectativa de contrapartida, amar unicamente o puro objecto que desgraçadamente amamos. Isto é uma carta de amor, e é possivelmente ridícula prova maior de que é, realmente, uma carta de amor), ou porque perdi o hábito de as escrever, ou porque nunca tive a coragem de as enviar.
Não percebes porque é que não te falo? Ainda não percebes que, na personagem que de mim eu enceno, não cabe a ameaça de uma derrota, a antecipação do desencanto, a sombra de um vexame? Não te falo, para não saber que o que eu te digo é apenas a forma contida de te dizer outra coisa, mas que essa coisa não é do teu mundo, nem do mundo que eu construí, nem do precário mundo que a nossa fragilíssima ternura mútua arquitectou. E tudo isto é literário, eu sei, mas – que queres? -, a literatura é o melhor de mim e é o melhor de mim que vive dentro da minha cabeça quando estou contigo.
E depois afastamo-nos. Beijo-te a correr, não sei se já reparaste, e quase fujo, porque sair de ao pé de ti é regressar ao que não és tu, o teu olhar e as tuas mãos, a tua alma e a tua voz, e isso, meu amor, transformou-se no insuportável intervalo entre dois encontros.
Esta carta de amor é um excesso (e isso prova superiormente que é uma carta de amor): eu amo não a ideia de amar-te (durante muito tempo eu julguei que era apenas isso), mas a ideia de perder-me no meu amor por ti. E mesmo amar-te é um excesso, porque tudo aconselharia que eu me limitasse a mitificar-te, que é a melhor forma de evitarmos enfrentar a realidade.
Porque a realidade, aqui, é como uma dor difusa, tu sabes como é, um incómodo ainda não localizado, que progressivamente se vai definindo e acertando, até que, insuportavelmente nítida, a sua imagem se nos impõe como uma evidência. A minha dor é que eu comecei a amar-te, sem o saber, durante aquele breve período de tempo em que sair de casa era a promessa reconfortante de ver-te e falar contigo. Eu não sabia, repito, mas o tempo ajudou-me a definir essa pequena dor, tão secretamente pavorosa: cada vez que estou contigo (cada vez mais, meu amor, cada vez mais) é como se a minha vida se virasse do avesso. E é verdade, é cada vez mais verdade, que, quando penso nas coisas que ainda me falta fazer na vida, é em ti que penso. E tenho medo, como um animal que instintivamente foge do que sabe não poder atingir.
Eu penso em ti, ainda mais do que te digo, e tu estás em tudo, mesmo quando não te penso, tu és a grande razão, o horizonte sem nome que constantemente se desenha na minha imaginação de mim.
Há uns anos, este seria o momento de desmontar o discurso desta carta, de te mostrar os subtis mecanismos da alma e da máscara, de desdizer ironicamente o que já disse, de insinuar que, afinal, as-coisas-talvez-não-sejam-exactamente-assim. Mas as coisas são exactamente assim, e a carta, que poderia transformar-se num confortável exercício paródico, é, inevitavelmente, uma agonia e um embaraço. Esta carta é um acto de puro egoísmo, que eu até talvez nem tivesse o direito de praticar. É-te incómoda, necessariamente, e isso bastaria para que eu me abstivesse de a enviar, dentro de um envelope azul. Mas o azul fica-te tão bem, e as cores todas em ti como tu ficas no mundo: exactamente.
Mas, repito: esta carta é um acto de puro egoísmo, é como se não tivesse destinatário. E, no entanto, é preciso enviá-la para que seja uma carta de amor, para que faça sentido como carta. Para que seja amor. Mas podemos imaginar uma saída elegante: para que possas conservá-la como pura carta de amor, quero eu dizer, sem o embaraço de saberes que ela te foi escrita por alguém que não amas, não a assino. Dou-te tudo: até a hipótese de esta carta não ter sido escrita por mim.
(E não, esta carta não pode ter sido escrita por mim. És tu – em mim – que me faz escrever o que eu não escrevo. E isso é – de novo – o melhor de mim.)»

António Mega Ferreira

Despedida

Foto: josé alfredo almeida 


Despeço-me do cio e das romagens inquietas
Despeço-me das antologias arenosas
Despeço-me do esplendor nesta margem errada
Despeço-me de ávidas madrugadas
Despeço-me de rasgos e de arcadas
Despeço-me de ti poesia inacabada
Logo eu poeta da ausência e do nada

Cecília Barreira

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Apenas a luz

Foto:josé alfredo almeida



E minha alma, sem luz nem tenda,
passa errante, na noite má,
à procura de quem me entenda
e de quem me consolará...


Cecília Meireles

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Amanhã





A luz de amanhã trará o fim da minha cegueira



    Sim. O prazo está a expirar. É Amanhã. Nem mais um dia, disseste, peremptório, num tom de voz áspero e amargo. E aqui estou. Sozinha, a falar de mim para mim, a fazer-me perguntas, a prometer-me promessas, a ensaiar-me respostas. Medito, qual monge tibetano, mas não rezo. Pensar pode ser uma forma de rezar. Penso. Tanto que as ideias se me desarrumam, se me engalfinham. Penso e sinto um peso sem peso.
    Compreendo-te. Cansaste-te das minhas ambiguidades, das minhas meias palavras, dos meus avanços e recuos, dos meus fantasmas espectrais. Cansado, sim. Dos pontos de interrogação farfalhados no meu olhar, das vadiações entre a confiança e o seu contrário, entre o querer e o temer. Criticas os meus acessos de coragem, sempre retraídos por pruridos sem tino. Sim, tenho noção da minha translucidez. Sou qualquer coisa dividida entre luz e sombra, entre estar escondida e revelar de mim traços difusos. Sou página de difícil leitura, tantos são os paradoxos, as metáforas, as antíteses. Um “novelo embrulhado para o lado de dentro”, como o teu, o nosso, Pessoa.
    Sinto o eco das palavras desconcertante e imprevisível que me atiraste como estilhaços de dúvida e surpresa, quando te estendi os lábios, com a frieza de autómato. Nem deu para saber o sabor da tua boca. - Fui beijado por uma pedra, comentaste.

    Em frente desta árvore exuberantemente despida, penso. Chego a invejar o seu destino sem subterfúgios. Vive por ela e para ela. Não tem um outro. É feliz sem um outro. Só lhe cobram as folhas e as flores e a sombra. Talvez os frutos. Não assim eu. Eu tenho outro. E quero-o. Vou dizer-lho amanhã.

M. Hercília Agarez
Vila Real, 12 de Fevereiro

Hoje

Foto:josé alfredo almeida



Não sei dizer-te muita coisa
Na verdade, não sei se alguma vez te soube dizer alguma coisa em palavras

Ou se apenas as sentiste.


Teresa Brinco de Oliveira

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Bom amanhecer

Foto:josé alfredo almeida




 É a língua que abre a respiração da manhã,
adormecida, fácil.
Lábios sobre lábios,
da saliva,
a humidade,
do fogo do espírito,
o sopro do desejo:
vento sobre a marítima água, arrepiada, do corpo.
A carne, sempre muito à flor pele,
insinua ao ouvido a boca que ele tem
e enche-a até estrangular com nome próprio de dedos,
o ar suspenso, inicial.
Bom dia, meu amor



Eugénia de Vasconcellos

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Em tudo havia beleza

Foto:josé alfredo almeida


(...)
estávamos tão próximo das despedidas
e a luz era tanta
que ainda hoje 
nos cega


José Carlos Barros

Paisagem nossa

Foto: josé alfredo almeida




Que importa o que não temos
quando a vida leva tudo o que nos dá

e a morte restitui-nos ao silêncio?



Miguel Matins

domingo, 9 de fevereiro de 2020

Paisagem perdida

Foto: josé alfredo almeida



"Ele pode comparar-te 
com o amanhecer, mas eu
fiquei a pé toda a noite para o ver"



Billy Collins

sábado, 8 de fevereiro de 2020

A alma sabe sempre

Foto:josé alfredo almeida


"A alma sabe sempre o que fazer para se curar.
O desafio é silenciar a mente para conseguir ouvi-la......"


Lendro Costa

Não tenho ninguém

Foto:josé alfredo almeida 


"O martelo acertou onde não devia, mau grado os esforços para uma pancada firme e precisa. Este último ponto, admito, é controverso. A vida é sobretudo desequilíbrio em movimento, circo precipitado de forças, embate, ricochete, crise, acomodação. Pouco mais do que teimosia, seguindo o raciocínio, a ideia de um esforço concentrado, dirigido. Um martelo e um prego, por exemplo, e uma recta certeira a uni-los. Não obstante, resta-nos continuar a teimar, é aqui que a lógica se complica e na razão se encrava a perfeita teoria. Mas, regressando ao martelo, não acertou no prego, não acertou no dedo, não acertou no estuque liso da parede. Onde acertou afinal? O certo é que ficou a doer. Essa certeza basta à poesia."

Jorge Roque

Toda a dor por enquanto

Foto:josé alfredo almeida


"Temos de estar dispostos a abandonar a vida que tínhamos planeado para podermos ter a vida que nos espera"




Joseph Champbell

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Se soubesse a única, a útima palavra

Foto:josé alfredo almeida

Galafura, 
sábado. 1 de Fevereiro de 2020



« – se eu soubesse a palavra,
a única, a última,
e pudesse depois ficar em silêncio para sempre…»


Vergílio Ferreira

Pontes de luz

Foto:josé aalfredo almeida