"Sempre frequentei estabelecimentos públicos. Regressando a Portugal, fui para a escola primária em Mesão Frio. Como era gélida essa escola onde aliás me sentia feliz entre os garotos e garotas da aldeia. Eu e a minha irmã éramos as meninas das Quintãs, quinta que ainda nos pertence. Lembro-me de cair na estrada numa poça de gelo e chorar porque as minhas mãos estavam doridas das frieiras. Nessa escola aprendíamos bem, embora apanhássemos, tanto eu como a minha irmã, grandes camadas de piolhos que era necessário dizimar nessa época com tintura de sevedilha. Fiquei no entanto ligada à maravilhosa beleza do vale do Douro que ainda hoje continua a comover-me e que é a paisagem onde decorre o meu romance A Origem. Eu e a minha irmã tínhamos uma única pasta e disputávamos para transportar essa pasta que entendíamos nos dar um ar importante. Éramos tanto uma como a outra possuidoras de uma poderosa imaginação. Andava-se a construir uma estrada que atravessava a Quinta e que nessa aldeia se chamava a estrada nova. Essa história da nossa perda na floresta foi relatada, aos engenheiros que construíam essa estrada, com foros de prodigiosa aventura. Não éramos mentirosas -eu no entanto mais mentirosa do que ela- mas sempre tivemos a mania de contar a estranhos histórias mirabolantes que no fundo da nossa inocência infantil julgávamos serem verdadeiras."
Graça Pina de Morais
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