Foto:josé alfredo almeida |
Caminho
estes lugares e deixo um olhar submerso, mas enraizado, na margem que me viu
nascer. No início, nada pensei porque a cor da saudade tingiu-me sem qualquer
sentimento de culpa.
Sentada
neste banco, subi os pés para pousar a cabeça, entrelacei os braços nos joelhos
e, de soslaio, petrificada a olhar para ti, pedi-te memórias de uma infância colorida
por um punhado de anos que lhes oferece, agora, uma paleta sépia. 40 Anos me separam
desta pintura onde predomina o verde e o contraste de flores perfumadas ou dos
frutos vermelhos que guardavam, na essência, a autenticidade dos seus sabores. Olho
a vida que as tuas águas levaram na corrente. Deixaste roubar o brilho e os
risos histéricos de uma inocência que pulava, esgueirava e enroscava o teu
leito.
Os
anos passaram e o rio vai grande. Galgou a entrada e o portão da quinta, cobriu
o socalco ribeirinho, agora selvagem, e fez desaparecer o pequeno areal onde o meu
avô cuidava do Barco Rabelo e onde a minha mãe se sentava enquanto eu e os meus
irmãos disfrutávamos as águas mansas e doces das tardes de Verão.
Hoje
é Domingo. A Igreja da aldeia fica muito afastada, no cimo do monte. Em vez de
subir a montanha por quelhos, caminhos públicos ou escalar por prédios rústicos
alheios, herdamos o velho hábito da missa na Capela das Caldas do Moledo.
Logo
pela manhã todos vestem as melhores roupas. Lembro-me tão bem, os vaporosos
vestidos que outrora a minha mãe mandava confeccionar na modista da Régua.
Lembro-me tão bem dos bordados, folhos, franzidos, machos e pregas ou dos
delicados favos-de-mel, sem esquecer todos aqueles acessórios de moda que fazem
de uma menina uma delicada boneca de porcelana.
Estávamos
prontos e descíamos a calçada fazendo do jardim e estradão, que dividia a quinta,
o grande tapete de pedra que a natureza oferecia à nossa passagem. Era
obrigação e desejo chegar ao início da missa mas, a pressa do momento envergava
em nós um manto cego e surdo perante toda a beleza dos aromas e cores que,
mesmo sem resposta, nos ofertavam leves brisas matinais. Naquele dia deixamos
para trás os milhões de verdes intensos e brilhantes de onde emergia a beleza de
uma paleta colorida salpicada de Sardinheiras, Malmequeres, Narcisos e Jacintos.
Esquecemos a beleza dos gulosos filhos das árvores que dormiam as tranquilas
manhãs do fim-de-semana, ou o som da água fresca da mina a jorrar partituras da
boca da fonte…
Agora
sim, a embarcar no Barco Rabelo, de pé, não fosse amarrotar ou sujar o engomado
vestido de domingo. A família é grande, pais, irmãos, tios primos, todos no
mesmo barco a enfrentar, mais uma entre tantas vezes, as profundas águas do
Douro.
Chegamos,
àquela que no passado somou registo de grandes glórias, e atracávamos o barco seguindo
para a missa, agora a iniciar. A capela não era muito grande mas parecia
responder ao público que a crença e a fé frequentavam.
No
final, já sem batina, o Sr. Padre passava entre o rebanho que, distraidamente
afirmava outro momento de praxe e caracteristicamente domingueiro. E ficávamos,
ali, durante algum tempo, trocando palavras amigas entre os demais.
De
regresso, embarcávamos e desembarcávamos o mesmo barco, rumo a casa, subir o
belo tapete e tomar o pequeno-almoço de ovos estrelados com açúcar a lambuzar o
trigo na gema húmida esquecendo, apesar do dia, o pecado que nem é preciso
falar.
E
porque hoje é domingo, chegou a hora de brincar com os meus irmãos e os meus
primos, quando escuto a minha mãe:
- Lurdinhas,
anda tirar o vestido para não sujar!
Bem,
chegou a hora de arrumar o vestido de domingo, aquele traje que fez deste dia um
fugaz e mágico momento de uma inocente vaidade.
18-09-2016
Lurdes
Gomes
..DOMINGO...
ResponderEliminar...Não mudei de vestido..
..Plantei ..alfazema ..e camomila...
Era..um Domingo...muito simples..!!!