sábado, 17 de setembro de 2016

Flor transplantada

Foto:APIF|Nuno Resende




                                                                                            O fogo mais escondido é o mais ardente     
                                                                                                                                             Ovídio




Que fazes aí, menina  bem nascida? Que crime cometeste para mereceres esse desterro, esse chão lamacento onde anda descalça gente a cheirar ao suor dos trabalhos forçados? Com quem hás-de falar o francês  aprendido com a madame,  se os camponeses mal sabem falar a língua que lhes ensinaram (nem a todos)  nos bancos cansados da escola?    E onde (e para quem) executarás, com a leveza das tuas mãos-penas os teus Chopins tão aplaudidos por senhoras  de lágrima fácil, pertencentes a famílias pretensamente pergaminhadas? Essa sombrinha romântica é uma afronta a tantas sombras verdes e frescas com que a natureza premeia a fidelidade dos seus resistentes.
És uma flor requintada  de mais para esses jardins. Destoas das inocentes margaridas que alegram o granito e o xisto dos pobres. Que pensarão dessa farpela chique, desses botins de verniz, as moçoilas da tua idade para quem sedas e veludos são vestimentas de santos e rendas  e cambraias toalhas de altares?           
Quanto tempo durará esse sorriso? Que mistério esconde ele?  Chegará ao seu destinatário?
Se eu soubesse as respostas a estas perguntas, talvez escrevesse um romance...



Vila Real, 16 de Setembro de 2016
M. Hercília Agarez                          

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