Famosos e históricos, os Barcos Rabelos navegavam as águas
agitadas do rio Douro, outrora isento de barragens. Hoje, embora espelho de uma
etnografia, transformam-se em pequenos monumentos de museu, memória e lazer.
Ganharam identidade em
1792, definidos por embarcações de fundo chato, próprias para navegar as revoltas
águas que rompiam velozmente as montanhas no vale do Douro.
A Régua, ou melhor, toda
a região vinhateira, com o Douro aos pés, apresentava-se com um certa
deficiência no que diz respeito à comunicação. Os Barcos Rabelos ficavam
responsáveis pelo transporte de pessoas e mercadorias possibilitando, em
simultâneo, o início do desenvolvimento local numa geografia protegida, hoje,
no Património Mundial da Humanidade.
Durante vários anos, o
famoso Vinho Generoso da região
vinhateira era transportado por estes pequenos/grandes monumentos na história Vinho do Porto.
As viagens transformavam-se
num palco de odisseias ilustradas, tendo como cenário um rio que se enroscava nas
margens com o seu serpenteado de dança de amor, que inspirou grandes vultos da
literatura portuguesa.
O percurso nas águas d(o)urienses era difícil, moroso e
arriscado. No entanto, a única via de comunicação faz do Douro uma grande
estrada, exigindo aos marinheiros a perícia e o saber comunicar com as
correntes para dar resposta com eficácia.
Seguiam em direcção à
Foz, apoiados pela ajuda de instrumentos marinhos que as embarcações ofereciam
ao seu percurso. Durante vários dias, da Régua ao Porto, a viagem era suportada
pela força de vários homens que arriscavam as suas vidas pela sobrevivência de
suas famílias. No início, servidos de tanta precariedade, rumavam apoiados na
ajuda de homens ou juntas de bois que, movidos pela exaustão, puxavam os barcos
através dos caminhos de sirga em direcção ao Porto. Ao longo do rio, alguns
locais exigiam superlativos cuidados. A zona do Piar era conhecida pela
violência das águas revoltas. Caracterizava-se como lugar de perigo ou tragédia
eminente e de difícil manuseamento da espadela. Escalando as escarpas, homens
de fé e esperança reservaram, até hoje, um nicho em prole da N. Sª. da Boa Viagem.
No desaguar da árdua
tarefa, avizinha-se a lavoura do descarregamento de mercadorias. Que o diga (ou
melhor, dissesse) Manoel de Oliveira…, com gosto especial pelo cinema realista soube,
embora de técnica muda, entender a “…, Faina Fluvial” de 1931, e imprimir, nos
rostos daquelas gentes, o peso do suor daqueles ao carregar nos ombros longas histórias
de trabalho, transformando toda a zona ribeirinha numa verdadeira agitação de
cascata.
Às jóias do vale do Douro,
que no passado criavam pontes entre margens, a evolução vem alterar o seu destino.
A industrialização foi o juiz que leu a sentença destas embarcações que quase
adormeceram no auge da juventude. Com a inauguração dos Caminhos de Ferro da
Linha do Douro, em 1887, ficam assegurados, com maior rapidez, os transportes
de pessoas e mercadorias.
Os Barcos Rabelos,
outrora indispensáveis, caiem em desuso. Mas depois de uma história
tempestuosa, a labuta da força braçal desagua em momentos de valioso prazer
acompanhado de grandes memórias. Fica, assim, o turismo como novo responsável em
oferecer uma nova vida àqueles que, no passado, asseguraram a glória na Faina Fluvial.
Maria de Lurdes Pereira Gomes
7-9-2016
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