quarta-feira, 12 de março de 2014

Alfaiataria Garrido


Foto: josé alfredo almeida




" O único homem que eu conheço que se comporta sensatamente é o meu alfaiate; ele toma minhas medidas novamente a cada vez que ele me vê. O resto continua com suas velhas medidas e espera que eu me encaixe nelas. "
                                                                                                                                                                                                                                                  George Bernard Shaw

"Era uma vez, a menos de mil quilómetros daqui, um alfaiate viúvo que vivia com a filha pequena... Apesar de ser um óptimo artesão, era uma pessoa que não prestava atenção em algumas coisas.
Assim, costumava sair à rua com a mesma roupa velha, todas esfarrapadas, que usava o dia inteiro dentro de casa.
Os comentários se espalhavam, e ninguém mais encomendava roupas para o alfaiate, que foi ficando pobre. Um dia, sua filha disse: "Pai, não temos quase nada para comer. O senhor precisa fazer alguma coisa, senão vamos morrer de fome".
O alfaiate foi até o sótão da casa, onde fazia muito tempo guardava coisas que considerava sem utilidade. Ao remexer nas pilhas empoeiradas, descobriu que entre elas havia objectos de valor. Ele nem se lembrava mais quando os tinha posto ali, nem por quê. Juntou uma porção desses objectos num carrinho e foi vendê-los no mercado da cidade. Com o dinheiro que recebeu, comprou comidas deliciosas para ele e para sua filha.
No caminho de volta para casa ele viu, pendurado na porta de uma tenda, um tecido magnífico, como nunca ti­nha visto. Era inteiro bordado com fios de todas as cores do arco-íris, formando várias figuras distintas. Nele também havia padrões ornamentais com fios de ouro e prata entrelaçados que brilhavam à luz do sol. O alfaiate, maravilhado, resolveu comprar aquele tecido com o dinheiro que havia sobrado.Assim que chegou em casa, esticou o tecido sobre a mesa, pensou um pouco, e depois cortou e costurou um belíssimo manto que quase arrastava no chão.
Quando saiu à rua com aquele manto, as pessoas o rodearam e perguntaram:
- Onde foi que você comprou este manto? No Oriente, na ilha de Java?
- Não - respondeu o alfaiate. - Eu mesmo o fiz.
- Então, nós também queremos um manto lindo como este.
E foram levar tecidos para ele, formando uma fila à porta de sua casa. Eram tantas pessoas, e tantos mantos eles fez, que acabou ficando rico.Mas ele era uma pessoa que não prestava atenção em algumas coisas. Ele não tirava seu manto: costurava com ele, fazia comida, cuidava do jardim. Passou-se muito, muito tempo. O manto ficou velho e estragado. As pessoas, vendo-o tão mal vestido na rua, começaram a achar que ele não devia ser um bom profissional. E deixaram de fazer encomendas. E ele ficou pobre outra vez.
Certo dia, não tendo nada para fazer, o alfaiate ficou observando o manto e descobriu que ainda havia um pedaço do tecido que não estava estragado. Pôs o manto sobre a mesa, cortou as partes rasgadas, desmanchou as costuras, pensou um pouco e fez um lindo casaco, com uma gola enorme.
Quando saiu com o casaco, as pessoas queriam saber:
- Onde foi que você comprou este casaco? Na Austrália, no pólo norte?
- Não, eu mesmo o fiz.
E foram tantas encomendas de casacos, que o alfaiate ficou rico outra vez.Mas continuava sendo aquele homem que não prestava atenção em algumas coisas. A qualquer tipo de comemoração - casamento, baptizado, enterro, festa de aniversário -lá ia ele com o casaco. Passou-se muito, muito tempo. E o casaco ficou todo esburacado, cheio de manchas. Ninguém mais fazia encomendas. Ele ficou pobre
Ele ficou pobre. Percebendo que o casaco ainda tinha um pedaço bom de tecido, o alfaiate o desmanchou e fez um colete tão lindo que todos na rua lhe perguntavam:
- Onde foi que você comprou este colete? No Afeganistão? Na Terra do Fogo?
- Não, eu mesmo o fiz.
E com tantas encomendas de coletes, o alfaiate ficou rico. Mas, não sei se já lhes contei, ele era uma pessoa que não prestava atenção em algumas coisas. Não tirava o colete para nada, nem mesmo para tomar banho.
Passou-se muito, muito tempo. E o colete ficou em petição de miséria. Pobre mais uma vez, o alfaiate aproveitou o pequeno pedaço de tecido do colete que ainda estava perfeito e sabem o que ele fez? Uma gravata-borboleta. Mas não era uma gravata qualquer. Era tão linda e brilhava tanto, que todos queriam gravatas como aquela.
Depois de muito trabalhar, ele acabou ficando rico. E não deixava de ser aquela pessoa que Não P... A... em A ... Coisas. Nem para dormir ele tirava a gravata.
Passou-se muito, muito tempo. E a gravata ficou torta, ensebada, irreconhecível. O alfaiate ficou pobre mais uma vez, já que ninguém mais lhe fez encomendas.

(Não se preocupem, o conto já está chegando ao fim.)

O alfaiate ainda descobriu na gravata um pedacinho de tecido que podia servir para alguma coisa. E então fez um superutrabelíssimo botão, bem redondo, que costurou na sua roupa velha, no meio do peito. Ninguém notava os farrapos que ele vestia; o botão era tão brilhante e magnífico que todos queriam botões como aquele. E tantos ele fez, que ficou rico.
Mas continuava sendo aquela pessoa que N Prestava A em A C. Por muito, muito tempo. E ele foi pobre.
Desmanchou o botão e ainda sobrou um pedacinho de tecido bem pequenino, que conservava intactos alguns padrões de fios dourados e prateados, entremeados com todas as cores do arco-íris, que brilhavam intensamente.
O que o alfaiate fez com aquele pedaço minúsculo que sobrou do magnífico tecido?"

Regina Machado

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