Canelas do Douro, 28
de Novembro de 2012
Exmo Presidente dos
Bombeiros Voluntários do Peso da Régua
Dr. José Alfredo
Almeida
Ilustre Causídico
Quando há quase três décadas
fixei o meu eremitério em Canelas do Douro, perdi um pouco o ritmo de carteador
compulsivo que fui ao longo de quase toda a minha vida. Porém, de quando em
vez, ainda faço o gosto ao dedo.
Aproveito, desta feita, o 132º
aniversário dos nossos Bombeiros para me dirigir a V. Excia e na sua pessoa a
todos os bombeiros da corporação, aos que ainda servem e defendem as populações
e aos que mudaram de sítio, para eremitérios como este meu. Quando aqui
chegaram meus filhos João e Camilo, muitas novidades me trouxeram da nova Régua
com suas evoluções e dislates, e com especial atenção me contaram a fidelidade
e modernização da nossa Associação como força viva e dinâmica, comandada por
homens de pendor humanista, o que estou certo continuará a distingui-la da
apatia comum.
De V. Excia me contaram ser um
jovem causídico muito dedicado à causa dos Bombeiros e à cultura. Senti-me de
novo com o mesmo júbilo com que brincava com os ademanes da farda de meu pai
que, como sabe, também foi bombeiro, no tempo do quartel no Largo da Chafarica.
Dizem-me ainda que é V. Excia natural de Caldas do Moledo, terra natal de meu
pai.
Não há muito tempo, encontrei no
recreio das almas, um bombeiro do quadro de honra – o amigo Teles – que me
cumprimentou com saudade e de imediato me falou dos nossos bombeiros. Foi ele
que me explicou que V. Excia é filho do Sr. Almeida, carteiro de profissão, que
muitas cartas me levou, Medreiros acima. Percebi que V. Excia seria o
inesquecível recém-nascido que um dia me entrou consultório adentro, em vias de
perecer por rejeição do leite materno. Tudo se resolveu, felizmente, e sem o
saber, até nessa hora providencial continuei a servir com o que tinha de mim, a
causa e o futuro dos Bombeiros da Régua.
Bem-haja o senhor doutor pelo
trabalho que tem feito, permita-me, pelo Bombeiro que tem sido! Sei que teve
mesmo o rasgo e o bom senso de escrever memórias da história da corporação e
dos seus servidores, bombeiros voluntários e soldados da paz, como então se
dizia. Mergulho a alma na saudade ao lembrar-me dos bombeiros do meu tempo e de
algumas personagens inesquecíveis – as barbas brancas do Afonso Soares, o José
Ruço, o Riço, o João dos óculos, o anedótico Justino, que sempre que metia no
seu discurso flores, falava de gipsófila, muito embora lhe chamasse
“pisgatófilha”. Enfim…
Do muito que me lembro dos
bombeiros, que sempre mereceram o meu zelo e até o meu sacrifício, não consigo
esquecer o prazer com que preenchi páginas e páginas do nosso querido boletim Vida por Vida. Um exemplo de utilidade
pública que cultivava o amor dos cidadãos pelos seus bombeiros, e ainda
apontava aos homens primores e desprimores da nossa terra. Não quererá V. Excia
aceitar o desafio de fazer renascer o Vida
por Vida? Certamente haverá hoje na Régua gente capaz de lhe preencher
novas páginas. Seria notícia que muito me agradaria receber na minha tebaida de
Canelas.
Oxalá continuem os Bombeiros,
mais ou menos voluntários, mais ou menos modernizados, a ter no seu quartel
local de palavra e reflexão, de convívio e dinâmica cultural. Afinal, se os
bombeiros acodem a fogos e doentes, porque não haverão de acudir às maleitas da
sua terra? Falo-lhe em maleitas porque também me chegam notícias tristes sobre
as nossas Caldas do Moledo e a sua Estância Termal a agonizar, vítima da
estrupícia dos homens… e ainda o desprezo pelos jardins e pelas árvores, que
continuam a sofrer ataques arboricidas, ao que me dizem! Já que mataram o
secular Jardim Alexandre Herculano, ao menos que salvem a Alameda.
Dizem-me ainda que tem agora a
Régua uma Biblioteca Municipal, moderna e eficaz, com uma sala onde se veneram
e guardam os livros com o meu obscuro nome! Pois aplaudam-se com todas as mãos
os autores da ideia e da obra. Entristece-me ver fechada a velhinha biblioteca
Maximiano de Lemos, que nasceu da pequena estante que existia ainda no quartel
da Chafarica, e que foi a minha primeira biblioteca, na altura enorme e
poderosa aos olhos de uma criança aprendiz de leituras.
Contam-me os meus filhos que o
rio está prenhe de barcos, uns são hotéis flutuantes cheios de mundo, outros
que são Rabelos a motor! Os primeiros são-me bem-vindos, pelo ar fresco que
trazem a terra possuída pelo tranglomanglo; os segundos é que me parecem
cozinhado de estrugido queimado… Bem que ficavam nas baías da Régua e do Pinhão
os velhos monarcas Rabelos, mas sem motores, de vela ao vento e arrais ao leme,
passeando devagarosamente turistas, como se fossem as “gôndolas” do Douro.
Chegam-me notícias de que a Casa
do Douro está atacada por doença cancerígena prolongada, agonizando à espera da
morte definitiva. Pobre Antão de Carvalho, pobres paladinos do Douro, que devem
estar em sofrimento, mesmo depois da suposta paz que se seguiu à sua vida
terrena.
Por seu lado, depois de
conseguido o Museu do Douro por que tanto clamei, está agora em maus lençóis,
sem destino à vista! Sinto-me recolhido em Canelas do Douro, sem inveja nenhuma
de quem por aí anda, e protegido de desgostos que me seriam fatais ao espírito.
Meu caro amigo Dr. José Alfredo
Almeida, sou obrigado a concluir que tanto na Régua como na Pátria, talvez só
mesmo os Bombeiros continuem, pela sua atitude, exemplo e coragem, a merecer a
minha contínua doação e sacrifício, mesmo que daqui deste meu eremitério
espiritual.
Já vai longa esta minha conversa
com V. Excia, por isso recorro à tábua dos “Signaes
de Incêndio”, que era de meu pai, para dar as cinco badaladas finais com
que a sineta manda parar.
Abraço todos os Bombeiros do Peso
da Régua e de Portugal.
Creia-me, com
admiração e estima
João de Araújo Correia
*José
Braga-Amaral (Escritor e Jornalista)
Perante tal tributo é caso para se dizer que o Dr. José Alfredo Almeida é um homem de grande reconhecimento e prestígio pela importância que atribui a nobres causas humanitárias, como a Corporação dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua e à cultura, entre outros achados.
ResponderEliminarMuitos parabéns!