Nem todas as profissões/actividades geram consensos. Sempre de faca afiada para cortar em casacas alheias, de língua mais vocacionada para dizer mal do que bem, o nosso povo é implacável, parecendo mais feliz a valorizar os defeitos do que a
exaltar as virtudes dos cidadãos incumbidos, cada qual no seu posto, de servir
a comunidade.
Salvam-se os bombeiros! Em
desespero de causa, os que necessitam do seu auxílio, por vezes acusam-nos de
demorarem muito tempo a chegar, desabafo justificável em quem se rege por um
relógio cujos ponteiros avançam ao ritmo da sua ansiedade. Há que compreender o
desespero de quem vê os seus bens, por vezes tão suados e tão parcos, à mercê
de labaredas assassinas ou de quem, em perigo de vida, aguarda a chegada de uma
ambulância salvadora.
Falar da acção filantrópica e
abnegada dos bombeiros é repetir palavras gastas. Eles sempre foram, e ainda
são, os ídolos da pequenada, os heróis e o orgulho das populações. Com farda de
gala parecem generais. De equipamento de trabalho, limpo à saída do quartel e
em estado imprevisível no regresso, impõem-se sem pretensões, agem como
super-homens. Não têm tempo de olhar para o lado. Todas as energias se
concentram na resposta aos apelos que lhes chegam.
Não posso falar
especificamente dos Bombeiros Voluntários da Régua. Conheço um pouco da sua
história através da palavra escrita e imagino a sua dinâmica ao ver o
“brilhozinho nos olhos” do Dr. José Alfredo Almeida quando deles fala. Também
cheguei até eles conduzida pela mão segura e pelo espírito apaixonado do Dr.
João de Araújo Correia cujas crónicas são manuais de cidadania, de defesa do
património humano, cultural e identitário da região duriense.
Em Pátria Pequena, na crónica “Biblioteca Maximiano de Lemos”, o autor
escreve, dividido entre o pessimismo e o optimismo: “Na Régua, é tradição que
falhem todas as iniciativas. Falharam as touradas, as exposições fotográficas,
o teatro de amadores, o orfeão, a parada agrícola, os desportos náuticos e até
o carnaval inventado pelo Chico Pulga. Tudo falhou, menos a Associação dos
Bombeiros Voluntários, fundada em 1880, e de ano para ano, mais florescente”.
É do mesmo escritor a
avaliação da sua terra feita na citada colectânea de crónicas: “A Régua, donde
quer que se aviste, é uma jóia. Mas, o que lhe dá realce é o estojo, isto é, a
concha em que assenta, a bacia da Régua, com as suas montanhas, as suas colinas
e o seu rio. Tocada de perto, sem escrínio à vista, desfaz-se-lhe o encanto. É
uma jóia de chumbo ou, quando muito, de plaqué.”
Esta apreciação, feita em
1959, não perdeu actualidade. A exemplo do que vem acontecendo um pouco por
este país, as cidades têm crescido anarquicamente, obedecendo a estereótipos
urbanísticos para os quais o conceito de identidade é um anacronismo caturra.
Vão resistindo à demolição, libertando-se da lei da morte, além de monumentos
de interesse histórico, alguns edifícios de autor, com marcas de determinada
época, contraponto risonho à construção de imóveis incaracterísticos, preço
alto pago à explosão demográfica.
O edifício do quartel dos
bombeiros da Régua é uma pedra preciosa incrustada em colar de pechisbeque. A
sua frontaria merece uma paragem no passeio oposto para que possa ser
devidamente gozada esteticamente. A harmonia cromática, aliada à elegância e ao
bom gosto dos motivos escultóricos, singularizam este exemplar ímpar de
arquitectura urbana não residencial.
Se o meu coração está preso,
por razões familiares, logo afectivas, aos Bombeiros da Cruz Branca de Vila
Real, a minha simpatia abrange, em abraço fraterno, todos quantos, no país e no
mundo, assumem como prioridade das suas vidas a defesa de vidas outras.
Termino este sucinto
testemunho com uma palavra de apreço pela acção desenvolvida em prol dos
Voluntários da Régua pelo Dr. José Alfredo Almeida, enquanto entusiasta
presidente da sua direcção e também como investigador incansável da história da
Corporação, bem patente no seu livro Memórias
dos Bombeiros Voluntários da Régua, exaustiva análise de factos e de
figuras que lhes deram corpo.
M. Hercília Agarez
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