"Escuta, Amor
Quando
damos as mãos, somos um barco feito de oceano, a agitar-se sobre as
ondas, mas ancorado ao oceano pelo próprio oceano. Pode estar toda a
espécie de tempo, o céu pode estar limpo, verão e vozes de crianças, o
céu pode segurar nuvens e chumbo, nevoeiro ou madrugada, pode ser de
noite, mas, sempre que damos as mãos, transformamo-nos na mesma matéria
do mundo. Se preferires uma imagem da terra, somos árvores velhas, os
ramos a crescerem muito lentamente, a madeira viva, a seiva. Para as
árvores, a terra faz todo o sentido. De certeza que as árvores acreditam
que são feitas de terra.
Por
isto e por mais do que isto, tu estás aí e eu, aqui, também estou aí.
Existimos no mesmo sítio sem esforço. Aquilo que somos mistura-se. Os
nossos corpos só podem ser vistos pelos nossos olhos. Os outros olham
para os nossos corpos com a mesma falta de verdade com que os espelhos
nos reflectem. Tu és aquilo que sei sobre a ternura. Tu és tudo aquilo
que sei. Mesmo quando não estavas lá, mesmo quando eu não estava lá,
aprendíamos o suficiente para o instante em que nos encontrámos.
Aquilo
que existe dentro de mim e dentro de ti, existe também à nossa volta
quando estamos juntos. E agora estamos sempre juntos. O meu rosto e o
teu rosto, fotografados imperfeitamente, são moldados pelas noites
metafóricas e pelas manhãs metafóricas. Talvez outras pessoas chamem
entendimento a essa certeza, mas eu e tu não sabemos se existem outras
pessoas no mundo. Eu e tu declarámos o fim de todas as fronteiras e
inseparámo-nos. Agora, somos uma única rocha, uma única montanha, somos
uma gota que cai eternamente do céu, somos um fruto, somos uma casa, um
mundo completo. Existem guerras dentro do nosso corpo, existem séculos e
dinastias, existe toda uma história que pode ser contada sob múltiplas
perspectivas, analisada e narrada em volumes de bibliotecas infinitas.
Existem expedições arqueológicas dentro do nosso corpo, procuram e
encontram restos de civilizações antigas, pirâmides de faraós, cidades
inteiras cobertas pela lava de vulcões extintos. Existem aviões que
levantam voo e aterram nos aeroportos interiores do nosso corpo,
populações que emigram, êxodos de multidões famintas. E existem momentos
despercebidos, uma criança que nasce, um velho que morre. Dentro de
nós, existe tudo aquilo que existe em simultâneo em todas as partes.
Questiono
os gestos mais simples, escrever este texto, tentar dizer aquilo que
foge às palavras e que, no entanto, precisa delas para existir com a
forma de palavras. Mas eu questiono, pergunto-me, será que são
necessárias as palavras? Eu sei que entendes o que não sei dizer.
Repito: eu sei que entendes o que não sei dizer. Essa certeza é feita de
vento. Eu e tu somos esse vento. Não apenas um pedaço do vento dentro
do vento, somos o vento todo.
Escuta,
ouve.
Amor.
Amor."
José Luís Peixoto
...SUBLIME...SUBLIME..!!AMOR!!!
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