Escrever
sobre Camilo de Araújo Correia é como percorrer caminhos amados, partilhar
alegrias saudosas, refazer ausências que nunca deixam de ser uma festa da vida
e à vida.
Nunca
me atreveria a olhá-lo do parapeito literário. Certamente outros que voam mais
alto o farão com justeza e mestria. Revelarei pouco do muito que a sua
proximidade me deu. Curto foi o convívio, mas intenso e profundo, sempre
servido com doçura, lealdade e elegância. Curvo-me à sua memória, tentando sempre
invocar palavras singelas mas sentidas. Distinguia-se pela serenidade, fina
ironia, determinação e firmeza. Nestes atributos, sem vaidades nem soberba,
residia a sua força e a sua diferença.
Entre
nós existia o respeito do tempo, as diferenças dos tempos. Cultivamos essa
relação abraçando tudo o que tínhamos em comum, como tesouros da natureza.
Douro
e Coimbra, dois amores eternos vividos intensamente, partilhados na combinação
certa. A estada e a partida por entre os recortes das suas capas protetoras
foram caminhos muito iguais em épocas algo diferentes.
Acreditando
sempre que santos da casa podem fazer milagres, sem medos, sem tristezas,
regressamos para o nosso altar.
O
destino e a proximidade física e afetiva com a família Araújo Correia fizeram de
mim seu médico de cabeceira, termo por nós muito querido. Cada visita transformava-se
numa viagem pelos assuntos que a agudeza do seu espírito impunha. A alegria
jorrava em abundância enquanto, sem sair do sítio, pedalava até ao Moledo ou,
raras vezes em momentos menos bons, se sentava à espera de boleia para Canelas.
Fugaz o nosso conhecimento, breve também por assim o sabermos, foi em suma
sempre uma festa à vida.
“Zé
Alberto foi a Coimbra? O que se passa com o “Tio Luís” (nome carinhoso dado ao
Hospital da Régua por todos os que nele trabalham ou trabalharam)? E em Lamego,
como está isto? como está aquilo?”… Esperava sempre os meus relatos, as minhas
histórias, como boias que o mantinham agarrado a tudo o que amou na vida.
No
dia do seu aniversário presenteei-o com um perfil de carril. Agradado com a
lembrança, logo pusemos os pés no estribo da carruagem para iniciarmos a viagem
pela nossa querida Régua, onde jaz o caminho de ferro e, entre risos, curvas e
vinhedos, continuamos até Lamego. De seguida fomos ao Porto, cidade dos banhos
de cultura e dos banhos de mar na sua “Lecinha”, praia onde desfrutava de um
rochedo como cadeira anatómica para repouso, sempre banhado pela maresia e pelo
sol e distinguido com a inspiração de António Nobre e Siza Vieira. Coimbra foi
a próxima paragem. Apresentei-lhe o “Montanha” de hoje, explicando-lhe a razão
do seu novo nome “Mandarim”, lá tomamos os cafés todos do mundo sem esperarmos
pelo Vale do Correio da “Carmito”; conheceu o Tatonas, o Tatonão, o Kiki, o
Maló; abraçamos o “Texera”; paramos no “Penico”; subimos da baixa até à alta
como penas; cumprimentamos lentes; fomos outra vez repúblicos; comemos com o
Sr. Bedel; vestimos a camisola da Briosa; procuramos o Sargento; dissemos adeus
ao Caganeta; surpreendemos o Dim Dim a fazer bolinhas; vimos passar as Gazelas;
ouvimos o relinchar do Pedrinho; olhamos a cabra; sentamo-nos nas escadas da Sé
Velha, indo de seguida para o parque estender na relva os corpos moídos. Por
fim pusemos a capa, para em silêncio agradecer o trinar das cordas e abençoar
as vozes, no adeus da despedida.
Fecho
os olhos, revejo-o a oferecer a simpatia no olhar e o carinho nas palavras e
atitudes.
Bem
haja, Doutor Camilo, por ter permitido que a sorte me bafejasse ao colocá-lo no
meu caminho.
José
Alberto Soares Marques
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