Camilo de Araújo Correia |
Falo-te dessa Coimbra maluca que foi a nossa, povoada de mitos e ritos,
como se de o séc. XIX fosse, com ressonâncias de uma herança quase
heróica pelas suas lutas e dizeres que atirávamos à rua como se pedras
ou flores fossem, acordando um romantismo dessa última cidade que o teve
até ao nosso tempo. Que nos moldava o destino e nos dava os sinais de
amigos e inimigos que se cruzavam. Havia por lá uma velha República de
estudantes, a que chamavam (e chamam) 'Palácio da Loucura'. Não era
muito rica a mesa que o Tossan envocava na Ceia Louca que por lá pintou,
onde além dos alimentos se comiam palavras e bebiam ideias que nos iam
pertencendo e que, por vezes, lançávamos à rua como se fossemos ricos e
perdulários. Muitas se ganharam e muitas se perderam. Transportavas um
pesado nome, que teu pai te impôs e o mano João ajudava a transportar.
Nessa casa se cozinhava a alegria das coisas na ansiedade do saber e
conquistar o melhor dos mundos para todos quantos caminham (ou
caminhavam) à superfície da Terra, na base de valores de amizade bem
temperada no penhor da honradez - foram valores que nos acompanharam
sempre, fosse qual fosse o caminho que escolhêssemos. Casa de loucura
numa cidade maluca, Coimbra tua e nossa que hoje recordamos com alguma
sede de futuro e uma enorme saudade. Lembras-te, Camilo, quando um dia o
Teixeira de Pascoaes veio a Coimbra visitar a sua estudantada e tomar
um banho dessa enorme saudade? NovJardim da Sereia falou e disse que o
Mondego fraternalmente se unia ao Jordão e que lá cima, no Penedo, é
porque estávamos em Coimbra, se podia celebrar uma qualquer Santa Maria
da saudade. Depois, ele, o Pascoaes, quis correr a Alta sozinho, porque
queria encontrar o seu fantasma, queria medir-se consigo mesmo, queria
medir-se com tudo o que podia ter sido e não foi - o que nos acontece a
todos. Hoje percorro-a com a mesma intenção, procurando por igual o
fantasma de todos vós que me deixaram já. Por isso recordo os meus
Amigos como se estivesse à chuva, e os caminhos que ensinámos uns aos
outros, continuando a caminhar o meu. Espero que me siga o vento, que a
seu tempo foi vida e coisa de todos e vai sendo de ninguém. Eu sei que,
tal como dizia, Vitorino Nemésio, o Mondego deu à Malta ou choupo por
coração, mas gostava que estas palavras atravessassem esse Douro
generoso como o vinho das longas festas e esse outro Douro de um
imaginário que hoje é fronteira de vivos e mortos.
Manuel Louzã Henriques
"Espero que me siga o vento, que a seu tempo foi vida e coisa
ResponderEliminarde todos e vai sendo de ninguém.".
Tudo, nestas recordações é poesia. Bem haja por existir.
..Uma ternura ...completa !!
ResponderEliminarUM POEMA ... À VIDA..!!