Foto:josé alfredo almeida |
Não tenho razões de
queixa da minha sorte. Mesmo sem espelhos, sei que sou bonito. A avaliar pelas
tentativas (mais que muitas) de me raptarem, de me condenarem a sedentarismo
confortável. Ouço elogios meigamente sussurrados. Ao meu branco sem mácula
(prova da eficácia da minha língua a dispensar gel de banho), ao verde
esmeralda dos meus olhos. Se me afagam, eu vou permitindo, mas sempre na
retranca, sempre de garras afiadas para qualquer eventualidade.
Vivo por conta
própria. Não tenho domicílio fixo nem, por isso, número de polícia. O meu mundo
não tem fronteiras. Vadio a meu bel prazer, faço visitas diárias a generosos
quintais das redondezas. Não sou, propriamente, um sem abrigo, porque, com o
tempo, fui escolhendo recantos recatados, à prova de frio e de chuva.
Nas minhas
deambulações pensativas reparo nos olhares tristes, lânguidos, dos meus colegas
prisioneiros, pousados, como bibelots, em parapeitos soalheiros.
Não fui submetido a
nenhuma intervenção cirúrgica, pelo que conservo tudo a que, anatomicamente,
tenho direito. Assim garanto o prolongamento da espécie, agradecendo não ser
ela obrigada a testes de paternidade e a perfilhações adulterinas…
Nem só de colos e
de whiskas vivem os gatos!!!
M. Hercília Agarez
10 de Dezembro de 2018
A introspecção de um gato livre.
ResponderEliminarExcelente o texto!