sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Gostaria de ir para aí

Foto:josé alfredo almeida


Esperem por mim. Sei que gostaria de ir para aí, de me amesendar no vosso seio enquanto tendes tecto para me abrigar. Não tardarei. Levar-me-á uma nuvem hospitaleira, na sua crista. Até a uma margem do rio, a um porto sem abrigo onde apanharei uma barca de passagem sem remador. Arrastar-me-á o vento, nem sempre vosso amigo. Na realidade, por vezes, ao despentear-vos, arrelia-vos. Pudera, sois femininas….

Partirei. “Em qualquer aventura, o importante é partir, não é chegar”, escreveu Torga.

O que buscarei, nesta partida? O sonho, a fantasia, a insensatez consentida, os espaços sem barreiras, as vozes invisíveis e indizíveis, os gestos desconstrangidos, o incumprimento de regras, enfim, a liberdade.

Esperem, pois, por mim. Quero aninhar-me em vós, árvores, como gato em colo quente. E embebedar-me de um azul que espreitarei entre as vossas folhas. Quero saborear o cheiro das águas, assistir à vénia do sol, na hora da despedida.

Não recearei a noite. Se fantasmas me perseguirem, afrontá-los-ei com a bravura de um D. Quixote a brandir espadas contra moinhos de vento.

Quando voltar, se voltar, caminharei, penosamente, ao encontro da realidade: pesadelos, espartilhos físicos e sociais, rotina, silêncios ambíguos, rame-rame monótono do quotidiano. Regressarei, se regressar, à clausura de uma   domesticidade de panela e de pano do pó…

Contrario Fernando Pessoa. Embora a minha alma não seja pequena, não acho que tudo valha a pena…


M. Hercília Agarez 
07 de dezembro de 2018

2 comentários:

  1. ..Tão..BELO..o que acabei de ler..
    !
    As palavras ..de tanta riqueza ..de sonho..
    de uma VIDA ..bonita ..
    E uma PAZ ..exorbitante .simples ..contudo ..!!

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  2. Partir também, na aventura das palavras.

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