Ouro e Cinza
(Crónicas de 2002-2012)
Autor: Paulo Varela Gomes
Editora: Tinta da China, 2014
"A leitura deste livro constitui, mesmo para os pessimistas mais incorrigíveis, um raro momento de felicidade pura. A Ouro e Cinza só podemos censurar uma coisa: é demasiado breve. Belíssima na capa, de tigre faiscante, e nos acabamentos, a obra peca pela estreiteza dos seus interiores. Apesar das suas mais de duzentas páginas, trata-se de uma selecta excessivamente selectiva, que usou malha demasiado fina na repescagem dos muitos textos que Paulo Varela Gomes escreveu durante tantos anos, nos mais diversos lugares. Para a próxima, se não «obras completas» em edição crítica e anotada por equipa multidisciplinar, reivindica-se maior generosidade para com os seus leitores, que já vão sendo muitos – e cada vez mais devotos.
Entre eles, desenganem-se todavia os que julgam poder alcançar um nível semelhante de escrita. Algumas páginas de Ouro e Cinza, como as que descrevem paisagens ou lugares, encontram-se entre as melhores e mais belas que a literatura portuguesa tem produzido nos últimos anos. Para escrever desta forma, o autor decerto seguiu o conselho dado por Bertrand Russell a um jovem aspirante a romancista, que um dia lhe perguntou o que era necessário para concretizar esse intento. Recomendou-lhe o filósofo apenas duas coisas: ler e escrever muito. Paulo Varela Gomes leu muito, e de tudo. Nas primícias, Emilio Salgari, por sinal evocado em Ouro e Cinza; depois, foi indo por aí fora. Lamenta-se, a dada altura, de ter nascido cedo ou tarde demais. Mas, no mínimo, terá que reconhecer uma coisa: no tempo que era o seu não havia televisão ou Internet para fazer concorrência aos livros. A doce aprendizagem do tédio, que realizou na juventude, seria impossível nos nossos dias, marcados pelo pavor dos «tempos mortos». Daqui resultou uma cultura enciclopédica e uma erudição imensa, que vão muito para lá do campo universitário de especialização do autor mas que nunca são apresentadas de forma pomposa ou exuberante. A subtileza do estilo e a beleza neoclássica da prosa, de linhas claras e remates delicados, nascem de um esforço de concisão que se adivinha extenuante. Paulo Varela Gomes domina como poucos a economia política do verbo, sabendo escolher sempre, mas sempre, a palavra certa, e nada mais do que ela. Apre, até irrita."
António Araújo in suplemento Ipsilon do jornal Público, de 5 de Setembro de 2014
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