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Carlos Zorrinho, Artur Vaz e Jorge Almeida ( ao lado esquerdo) |
Para um amigo tenho sempre um relógio
esquecido em qualquer fundo de algibeira.
Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
São restos de tabaco e de ternura rápida.
É um arco-íris de sombra, quente e trémulo.
É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.
António Ramos Rosa
esquecido em qualquer fundo de algibeira.
Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
São restos de tabaco e de ternura rápida.
É um arco-íris de sombra, quente e trémulo.
É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.
António Ramos Rosa
O nosso amigo Jorge Almeida deixou-nos hoje, dia 26 de Abril. Depois de uma
dura luta de vários anos, a doença acabou por derrubá-lo. E ficámos
todos mais pobres com a sua ausência. A cidade, o concelho da Régua e a região duriense perdem um homem culto, inteligente e sensível ao bem comum e à causa pública. Ele que foi médico, autarca e deputado, dedicou-se com grande paixão à agricultura, foi um lavrador do Douro que produziu vinhos bons do Douro e Porto. Por isso, também uma grande parte da sua vida foi dedicada a estudar e pensar em boas soluções para as questões do Douro, preocupando-se com os problemas da Região Demarcada do Douro, dos produtores mais desprotegidos -os pequenos vitinicultores - que tiram o seu sustento familiar do trabalho da vinha e da venda dos vinhos mas que, ano após ano, perdem muito do rendimento para as grandes firmas exportadores e, na ausência de uma Casa Douro forte que os defenda, estão à beira da ruína e da miséria. Ele foi um político que se preocupou com o nosso futuro de um povo, de homens simples, com a sua qualidade de vida, com a genuinidade e qualidade dos vinhos e com a defesa e valorização da nossa grandiosa paisagem vinhateira humanizada, hoje classificada como Património da Humanidade, como uma garantia para um desenvolvimento mais sustentável e harmonioso de toda a nossa região duriense.
Era uma pessoa marcante, tanto pela sua
figura como pelas suas convicções, muitas delas expressas em em texto em crónicas, jornais e revistas.Publicou livros sobre as boas leis que o Douro contemporâneo devia ter. Nós, que o conhecíamos, sabíamos que tinha uma vasta cultura e era um apreciador da história e da memória colectiva, pelo que qualquer conversa com ele se tornava
uma animada tertúlia, onde os temas fluíam com naturalidade.
O Jorge Almeida é um reguense de gema: nasceu, viveu, trabalhou e aqui morreu, pelo que dificilmente será esquecido por todos os que com ele privaram e o admiraram pelos seus dons e qualidades humanas, morais e cívicas.
Como amigo, companheiro de
lutas e ideais, o Jorge Almeida ficará para sempre na nossa memória como alguém
que viveu intensamente cada dia da sua vida. Assim, hoje não faz sentido lembrar a sua perda. Devemos é lembrar a sua obra e, sobretudo, o seu exemplo de cidadania activa, que lega a todos os verdadeiros reguenses, como foi o Jorge Almeida .
Até sempre, Jorge
A meu pedido, o Jorge Almeida escreveu para o nosso livro Memórias Vivas um interessante texto em volta das suas memórias sobre os Bombeiros da Régua e, em especial, sobre a sua Biblioteca Maximiano Lemos, que ele ajudou a enriquecer com a entrega de um importante e raro espólio de cerca de 800 livros pertencentes ao seu tio José Arnaldo Monteiro:
“Há fogo! Há fogo!”, gritava a garotada da minha rua. A
sirene era inconfundível, a frequência de sons agudos e graves não enganava. Em
correria deixávamos o jogo da bola ou da carica para acorrer ao quartel.
Já lá estavam os mais afoitos e os mais próximos. “É no
Corgo, é no Corgo”, dizia uma voz esganiçada. E os bombeiros não faltavam à
chamada. Conforme estavam em casa, no trabalho ou no lazer, assim vinham
aqueles nossos heróis. De automóvel, de bicicleta, de motorizada, a pé. O
Manuel, o Silva, o Figueiredo, o João e tantos, tantos outros. E o Chefe
Claudino, e mais tarde o Comandante Cardoso… que organização, que autoridade!
Era um gosto ver sair o carro de nevoeiro a toda a velocidade
a caminho do salvamento de pessoas e bens. Havia algo de forte, de solidário,
de altruísta, de comunitário que a pequenada absorvia.
Os Bombeiros Voluntários do Peso da Régua representaram
sempre, ao mais alto nível, os mais nobres valores da ajuda ao próximo,
interpretando individual e colectivamente o lema de “dar de si antes de pensar
em si“.
Mas tem sido também uma associação virada para a formação humana
em todas as suas vertentes e para a cultura.
Quando muito jovem, fui um dos utilizadores assíduos da
biblioteca. As obras de aventuras de Enid Blyton ou de Emílio Salgari, mas
também os clássicos da literatura portuguesa como Eça de Queirós e Camilo de
Castelo Branco, abriram muitos caminhos para o conhecimento aos jovens da minha
geração, numa altura em que a informação disponível rareava, as bibliotecas
públicas no interior eram uma miragem, e em que o poder político tinha outras
preocupações, bem longe da cultura do povo.
Recordo com muita saudade o testemunho que me foi transmitido
por meu tio José Arnaldo Monteiro, o seu referencial à literatura e à cultura
em geral, e o carinho que sempre manifestou pela associação. José Arnaldo
Monteiro foi um grande resistente à ditadura. Foi dos primeiros reguenses a envolver-se
no movimento democrático e a perfilar-se na defesa de causas sociais. Em sua
memória, e concretizando um desejo de família, será em breve entregue aos
nossos bombeiros o fundamental da sua biblioteca particular.
Saúdo por isso a orientação da direcção presidida pelo dr.
José Alfredo Almeida, que tem feito da vertente cultural uma das suas grandes
preocupações.
A Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da
Régua, para além de ser a menina dos olhos da comunidade reguense, atingiu grande
prestígio a nível regional e nacional. Honra a memória de todos os que a
serviram, desenvolve uma profícua atividade no presente, e prepara-se para um
grandioso futuro. Instalações, equipamentos e pessoas, sobretudo pessoas, a têm
feito crescer, modernizar e consolidar. Mas será sempre com a memória e a
cultura que este ideário reguense se perpetuará.
Vivam os nossos Bombeiros!"
Jorge Almeida
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