segunda-feira, 15 de abril de 2019

Um Douro assim...

Pintura de Margarida Almeida




      Quando, em 1948, uma menina fugida de uma Aústria ainda em pé de guerra veio conhecer a paz e os afectos em casa de um médico-escritor da Régua, tinha a aguardá-la um Douro engalanado de cores de Outono. Como já sabia escrever, deu notícias aos pais, dizendo-lhes: “Isto aqui é muito bonito. Os montes são pintados”.
     Segundo o seu próprio testemunho, publicado no quarto número da revista oficial da Tertúlia João de Araújo Coreia , GEIA, graças à localização conseguida por Helena Gil através do Facebook, Hannelore só muito tarde teve conhecimento que o seu “primo doutor”, João de Araújo Correia, lhe tinha dedicado a colectânea de contos MONTES PINTADOS, publicado em 1964. Escreve este na introdução: “Devo a esta menina o título deste livro. Os contos que aí vão foram escritos na terra extraordinária em que os montes, ao despedir da colheita, se preparam melancolicamente para a morte com paramentos ricos”.
    E já que evocamos um escritor tão representativo de um norte de “encantos mil”, homenageemos João Bigotte Chorão, um dos seus amigos e estudiosos há pouco partido para um mundo de cujas cores ninguém fala. Escreve ele na introdução de O MESTRE DE NÓS TODOS – Antologia:
   Os contos de João de Araújo Correia, em geral breves e sempre de prosa enxuta, mergulham as suas raízes mais em terreno rural que urbano. O Marão e o Douro […] são o palco adusto e pedregoso de vidas de sofrimento e miséria.
   Douro no olhar surpreso de uma menina refugiada, por momentos esquecida de uma realidade de negras cores. Nas palavras de um homem de palavras com sabor e aroma a Douro, postas tanto na boca de doutores como nas da gente do povo com o tipicismo expressivo e ingénuo de que só ele é capaz. E também nas de um ensaísta da beira, residente em Lisboa, mas sempre, enquanto pôde, de mala aviada para viagens a um espaço telúrico ao qual fazia questão de considerar um pouco seu. E, já agora, nas minhas, que também sou filha de Deus…



M. Hercília Agarez
Vila Real, 15 de Abril

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