segunda-feira, 22 de abril de 2019

Os geios da esperança

Foto:josé alfredo almeida



Nas margens de um rio de oiro, 
crucificado entre o calor do céu que de cima o bebe
 e a sede do leito que de baixo o seca,
 erguem-se os muros do milagre.
                        

Miguel Torga



Os olhos da esperança vêem nestes patamares desnudos mas de aspecto saudável a garantia da preservação da identidade paisagística do Douro vinhateiro. Dá até para esquecer os geios-cemitérios de muito má memória e para visualizá-los em cor de cepas, e pâmpanos, e folhas, e frutos, e esteios de xisto. Um presente com futuro. O vinho de amanhã. O pão de muitos de amanhã.
    Patamares dourados e promissores. Não já construídos à força da força braçal de homens gigantes em ânimo, poucas vezes com jornas justas, muitas vezes com raivas engolidas, de quem a história só reza como elementos constitutivos de um povo anónimo.
    Não. Há muito irrompeu, Douro dentro, a fúria impetuosa e ensurdecedora de motores roncantes, dando início à era da técnica. Chegaram as máquinas, tão saudadas por um Fernando Pessoa pela voz de Álvaro de Campos:

            Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
[…]
Arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!
[…]
Adubos, debulhadoras a vapor, progressos da agricultura!

In “Ode Triunfal”

    Máquinas ufanamente metaforizadas por um António Cabral de ideais neo-realistas e de paixões pelo seu “país do vinho e do suor”, pelo seu “paraíso álacre das vindimas”:

                        Douro, eh lá, uma nova era se anuncia
                e traz aos nossos ouvidos uma promessa de rosas.
                               Ouço já o crepitar das metralhadoras da paz,
                esses corações de aço que se chamam tractores.
                […]
               
                               As enxadas deixarão de cavar o desespero;
o ferro e a pá arrumar-se-ão nos arquivos da memória.

                                               “Douro, meu belo país” in Poemas Durienses



M. Hercilia Agarez

1 comentário: