quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Cântico ao rio

Foto: josé alfredo almeida



Guardo na memória o rio Douro, meu primeiro olhar, mal assomava à janela.
Fluía como a música que eu ouvia vinda da sala, naquela manhã.
As quatro estações de Vivaldi.

A vida desenrolava-se ali para mim, e o rio era (é) parte integrante dela.


Primavera.
Nas margens do rio, desabrocham flores, há um desassossego de asas e voares. O rio e o céu, num todo azul primaveril.

Verão
.
O rio veste-se de ouro.
majestoso,
indiferente ao calor que incendeia estradas, aquece casas e amolece os corpos.
À tard
inha, passam na minha rua meninos com câmaras de ar ao pescoço, alguns descalços, riem travessos, os olhos a anteciparem aventuras.
De noite, o rio finge que dorme.
A mim, guarda-me o sono como um anjo, através das janelas abertas de par em par.

Outono.
As nuvens acordam deitadas sobre o rio, amores antigos, desde o início dos tempos.
Nele habitam seres só vistos pelos pescadores de sonhos,
de porem sobre a mesa algo para comer.
Ninfas
, Deuses. E é no início do Outono que Baco impera, enquanto à sua volta, nas quintas e vinhas ao som do acordeão e da gaita de foles se festejam as vindimas.
 
Inverno.
A dor a correr no rio,
sob o meu olhar de espanto...
Laranjeiras, árvores várias, mobílias, e Almas.
E tantos sonhos desfeitos, em lágrimas.
E no entanto o rio é belo, tão belo em prata, nas noites de frio, ou quando a neve cai sobre o vale.


Hoje o rio é outro, mas o passado faz parte dele.
Como em todos nós.



Ana de Melo

1 comentário:

  1. Porque existem "cânticos " tão BELOS ..!!?
    Porque ..o coração é uma "caixinha" onde se guardam memórias ..ternas ,...!!
    Porque ao..olhar esta FOTO ...." uma "melodia"ecoa... suavemente ..!!

    ResponderEliminar