Aquele que trazia uma vinha guardada
na gaveta mais íntima da alma
não pode ter morrido.
Digamos que emigrou,
com vontade de um dia regressar,
voltar a ver o rio, afagá-lo
como se afagam as cãs de um velho pai.
Felizmente para nós,
não pôde levar na mala breve
os seus papéis, os seus livros, a viola
que dedilhava em pensamento
e nos fazia dedilhar a nós.
De modo que, enquanto não regressa,
a sua voz continua a nosso lado,
indicando caminhos, desbravando
matagais que ocultam a esperança.
A. M. Pires Cabral
(Há rios que nos correm nas veias dos homens.
Não vale a pena fugir-lhes.Estão entranhados.
Mesmo quando não estamos neles, eles estão em nós.
Acho que nasci com uma vinha guardada na alma.)