Tanta água!

      De férias. Portou-se bem na escola. "O meu melhor aluno", disse a professora aos pais. Apontava-o aos colegas como exemplo: de asseio de corpo e de material escolar, de pontualidade, de atenção, de destreza aritmética, de ausência de erros nos ditados, de aprumo caligráfico. Exemplar, em suma. Não assim em casa, sobretudo desde que a barriga da mãe lhe comunicou vir a caminho um irmãozinho ou irmãzinha. Dúvida então mantida até ao momento em que a berros adultos se seguiam choros de nascituros.

    Nessa altura voltou aos chichis na cama. Nervosismo ou pirraça? Pressentiu uma machadada no seu protagonismo de filho único. A diminuição de afectos e atenções paternais.

    Quando viu o crianço, neste caso criança, dependurada nos bicos da mãe, espantou-se por pensar que aquela fonte de leite tinha secado  com a sua fome devoradora. Enganou-se.

    Mas vamos ao que interessa. O rapazinho está de férias. Cumprindo uma promessa adiada a pretextos vários, a família foi passar uns dias na praia. O mar, só o conhecia   de imagens. Ignorava-lhe o cheiro, a cor verdadeira, ao natural, o sabor a comida salgada, a imensidão. Quis saber onde acabava. Ainda era muito novito para conhecer o verso de Fernando Pessoa: "O mar sem fim é português".

    Arranjaram-lhe uma bóia, grande de mais para ele. Deixá-lo.! Assim sabia estar seguro. Estranhou a frialdade da água nortenha. Mas ele era valente ou queria aparentá-lo no seu sorriso arrepiado. E não havia admoestação nem ameaça que o tirassem do centro daquela aventura.

    "Aventura no mar", título da redacção, de tema livre, a fazer como trabalho de férias.

            Nota: texto escrito sobre os joelhos em paragem de autocarro, nas costas de uma prescrição médica assim inutilizada. Acontece aos melhores!

M. Hercília Agarez

Vila Real, 16 de Agosto de 2018