Era um domingo de Inverno, daqueles dias soalheiros em
que o sol se espraia pelos caminhos,
emprestando reflexos dourados e promessas de Primavera.
Todos os domingos, ia à missa na capela do Asilo.
Gostava desses dias, de roupa aprimorada e cuidados redobrados
com a aparência. De rever as amigas que frequentavam a infantil com ela, ali no
Asilo de freiras, que era também morada de meninas órfãos ou de baixos
recursos, diziam as pessoas.
Usavam os cabelos muito curtos e eram bonitas.
Na memória dela, recorda-as meninas com um olhar
triste.
Sabia a missa de cor e sonhava ser freira.
Gostava das vestes e do sorriso das freiras, além de
que assim estaria mais perto de todos os mistérios que lia no catecismo e de
que ouvia falar.
Gostava dos cheiros, dos cânticos e de reparar em cada
pessoa.
Havia um momento em que as pessoas davam um abraço ou
um beijo, era a parte que ela mais gostava.
Não comungava porque não tinha feito ainda a primeira
comunhão.
Depois da missa, o Sr. padre despedia-se das pessoas na
porta da capela. Ali ficava a conversar durante algum tempo.
Ela aproveitava também para pôr a conversa em dia com
uma ou outra amiga,
o mundo das crianças é tão simples, por isso tão vasto.
O espírito delas está aberto a todas as coisas,
principalmente para as coisas sem importância, tão
importantes afinal.
De mão dada, de volta a casa.
Do lado direito, o rio de encontro aos seus passos.
Naquele domingo oiro e prata.
Ao longe já se avistava a Casa Viúva Lopes, com as suas
letras garrafais,
Casa Viúva Lopes...
A Casa que mais barato vende na região, vai para um século.
Mais à frente o largo da ponte, a sua primeira morada.
Depois o Corgo.
Subia as escadas a correr, todos os cheiros como se
fossem um abraço.
O almoço em família, a mãe, o avô, tia e primos.
Era um domingo de Inverno e de sol.
Olhava para lá da janela, semicerrava os olhos e penso
que ninguém adivinhava o sentir que lhe ocupava o seu pequeno peito.
Um sentimento de alegria e gratidão por estar ali, por
pertencer àquela família.
O rio em frente à casa,
do assento onde estava não o podia ver.
Pressentia-o.
Ouvia-o.
Como se fosse o seu próprio coração.
Ana de Melo
Sem comentários:
Enviar um comentário