Foto: josé alfredo almeida |
Sou uma varanda sobrevivente, um ícone urbanístico a marcar,
simbolicamente, uma época de pujança material traduzida em solares e
casas apalaçadas. Um rendilhado de artista ferreiro, quem sabe se do
tempo de Forresteres e Ferreirinhas. Época de móveis de estilo a
ornamentar salões forrados de papel acentinado e de tectos artisticamente
estucados onde se dançava a polca, a valsa, a quadrilha. Em que
fidalgos e burgueses enriquecidos se banqueteavam em mesas onde se
acendiam castiçais de prata e se comia em finos pratos de porcelana
inglesa com talheres de D. João V. Onde se degustavam os néctares do Douro em copos de cristal
finíssimo, também importados. Aqui vinham disfarçar os seus calores as
meninas cortejadas por cavalheiros de plastron e bigodes retorcidos.
Bons tempos! Hoje não passo de um símbolo da decadência, das desavenças
familiares, da incapacidade financeira de aquisição do imóvel.
O sol não me amesquinha, nem me ignora. Sei quando chega e quando
parte, mas preferia que me escondessem com panos pretos como se vê em
solares enlutados há séculos. Assim, que mais sou eu senão um estendendal de ferrugem, um espectro a
despertar piedade e a ser alvo de fotografias que em nada me enobrecem
para além da minha teimosia em manter-me de pé? Será que um dia um
qualquer pato-bravo não se lembra de o comprar por tuta e meia para
aburguesar a sua moradia de alumínios e azulejos?
Valha-me a Nossa Senhora do Socorro!
M.Hercília Agarez
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